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Estudiosos especulam a personalidade, a inteligência, a capacidade afetiva e as funções terapêuticas dos animais
O bem que os animais fazem aos seus donos
Moacyr Lopes Júnior/Folha Imagem
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Gisele Bündchen faz carinho na cadela Vida |
BETH CALÓ
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Cobiçada por bonitões de todos os cantos do mundo, bem-sucedida e
dona de uma conta bancária tão invejável quanto seu corpo, Gisele
Bündchen supostamente não sofre de um mal meio prosaico que aflige boa
parte das pessoas: a falta de companhia. Mas, longe de casa, essa menina de
22 anos nem sempre encontra um colinho que a ajude a espantar o cansaço e
o medo de se machucar na fogueira das vaidades do mundo das passarelas.
É por isso que a modelo não abre mão da cumplicidade daquela que considera
uma de suas melhores parceiras, Vida. É
com ela que Gisele faz longos passeios pelo Central Park, em Nova York -onde
mora a maior parte do tempo-, conversa, brinca e volta muito melhor. Aliás, estando estressada ou não, a top model disse que faz questão de reservar um tempo
do dia só para as duas: desliga o telefone,
esquece a agenda e mergulha numa espécie de terapia. "A Vida é minha vida", resume a gaúcha.
Bem longe da "Big Apple", numa casa
de classe média paulistana, a dona-de-casa Aparecida Arruda ("dona Cida"), 79,
também cumpre uma rotina terapêutica:
logo pela manhã, chama Touga para comer uma frutinha no jardim e fica observando pacientemente o andar lento da
amiga. Há também o Rambo, um amigo
muito especial que, para seu orgulho,
aprendeu a dançar com ela. Assim, um
pouquinho com Touga, outro tanto com
Rambo, dona Cida ameniza a saudade
que tem do companheiro, Alírio, com
quem foi casada durante 45 anos e que
morreu há pouco mais de dois.
Mas o que Gisele Bündchen e "dona Cida" têm em comum?
Antes, é melhor esclarecer que Vida é
uma cachorra, Touga é uma tartaruga, e
Rambo, um papagaio. E o que elas têm
em comum não é o dinheiro, a fama nem
o corpo escultural, e sim histórias de parceria e de afeto com seus bichos.
Vínculos como esses são bastante comuns e ocorrem não é de hoje. Mas, se até
pouco tempo atrás grande parte das pessoas torcia o nariz ao ouvir histórias de
gente que dança com papagaio ou brinca
com tartaruga, hoje as reações são bem
diferentes. Por toda parte do mundo vêm
à tona pesquisas, relatos e observações
científicas que buscam provar que os animais são seres inteligentes, não agem
apenas por condicionamento ou instinto,
além de poderem ser amigos e até mesmo ajudar na cura de pacientes.
"Eles não são meras máquinas movidas
a instinto como durante muito tempo se
pensou. Possuem estruturas e componentes anatômicos idênticos aos do homem e, em algumas espécies, bastante
desenvolvidos. Além da inteligência, da
capacidade de abstração e de raciocínio,
eles têm vontade e iniciativa de comportamento", diz Irvênia Prado, do Grupo
de Pesquisas Psicobiofísicas e professora
de neuranatomia da Faculdade de Medicina Veterinária da USP, além de autora
de vários livros sobre o assunto.
Diversos estudos endossam essa tese,
especialmente os realizados com chimpanzés, como o trabalho do americano
Roger Fouts, doutor em psicologia comportamental pela Universidade de Nevada, que dedicou 30 anos ao estudo de
chimpanzés e à vivência com eles. Alguns
grupos desses animais não só aprenderam a se comunicar na linguagem de surdos-mudos como transmitiram o conhecimento a outros do grupo. "Eles inauguraram uma nova linhagem", diz Irvênia.
Ela cita também os relatos do linguista
americano Steven Fischer, diretor do Instituto de Línguas e Literatura Polinésias,
na Nova Zelândia, onde mora e é considerado estrela de primeira grandeza por
seus parceiros da área de linguística. Ele
estudou duas espécies de macaco, cujos
testes de Q.I. mostraram inteligência
equivalente à de uma criança de dois
anos e meio. Fischer descarta qualquer
delírio de ficção científica ao afirmar que,
no futuro, é possível que possamos nos
comunicar com elefantes e dizer a eles
para seguir determinado caminho. Ou
alertar aves para que não voem sobre determinada região que está envenenada
por pesticidas. Quem viver, verá, desafia.
A relação entre os animais e as pessoas
pode trazer muitos benefícios. Desde que
o afeto seja mútuo. O biólogo inglês Rupert Sheldrake, doutor em bioquímica
em Harvard, onde também estudou filosofia, narra, em seu último livro lançado
no Brasil, a história
de sua gata Remedy, cujo nome foi dado
pela mulher, Jill, quando esta constatou
que sua presença carinhosa e "ronronate" era, de fato, um remédio. "Ela parecia
sentir quando era muito necessária e sentava-se ou deitava-se no meu colo ou no
de Jill, colocando sua magia curativa para
funcionar", conta ele.
Sheldrake discorre ainda sobre a conclusão de uma pesquisa da Universidade
de Cambridge em que a maioria das pessoas que haviam adquirido um cão desenvolveram segurança e auto-estima.
Apaixonada por animais, a escritora
Hilda Hilst reconhece o temperamento
de cada um dos cães que convivem com
ela na chácara onde mora. "Há os manhosos, os irritados, os tímidos... Cada
um do seu jeito. Eu os respeito, e eles me
respeitam." Muitas gerações de cachorros -todos vira-latas, como ela chama- a acompanharam nesses seus mais
de 70 anos. É em homenagem a eles que
escreveu "Com meus Olhos de Cão".
As emoções e personalidades dos animais são amplamente discutidas pelos
americanos Jeffrey Masson, psicanalista e
ex-diretor de projetos dos Arquivos de
Sigmund Freud, e Susan MacCarthy, bióloga, no livro "Quando os Elefantes Choram". Baseado em estudos científicos e
trabalhos de campo relatados por biólogos, etólogos, treinadores e investigadores do comportamento animal, o livro
procura mostrar que os bichos têm sentimentos como ódio, ciúme e altruísmo.
O jornalista e também escritor Cláudio
Fragata, que lança em breve pela Record
"As Filhas da Gata de Alice Moram
Aqui", sempre se manteve bem informado sobre questões do comportamento
dos bichos. Por isso dedica um tratamento especial às suas três gatinhas, Olívia,
Dinah e Sofia -respectivamente avó,
mãe e filha. Seu desafio hoje é harmonizar a relação das três ciumentas com o recém-chegado Fellini, um filhotinho de
três meses. "Elas são assim: têm ciúmes,
raiva, medo, solidariedade, amor, tal como os seres humanos. Isso é visível para
quem convive com os animais. Percebo
que minhas gatas sofrem até de tédio.
Tem horas que nem colo, nem ração, nada resolve o problema delas", ironiza.
Maria Lúcia Pereira Soares, 49, bióloga,
é outra que aprendeu a respeitar a personalidade dos seus bichos -periquitos e
canários. Solta-os e deixa que voem o
quanto quiserem. Eles sempre voltam
para casa. A única exceção foi Manduca,
um periquito que resolveu fugir com a
namorada, Marion. Hoje, ela divide o
apartamento com Pavinha, um canário
de 16 anos. Não sai para trabalhar sem se
despedir do passarinho. Ao fechar a porta, não deixa de sentir um certo alívio: o
amigo está meio velho, acomodado e,
portanto, não a deixará por qualquer sirigaita, como fez Manduca.
Além de dar carinho, divertir, acalmar e
fazer companhia, os bichos de estimação
às vezes desempenham um papel ainda
mais nobre, ajudando nas perdas, por
exemplo. Diversos estudos com pessoas
que perderam seus cônjuges mostram
que os donos de animais de estimação estavam menos propensos à depressão e à
sensação de isolamento. Sua saúde era
melhor e exigiam menos medicamentos.
Rupert Sheldrake descreve várias histórias desses que ele chama de "animais
consoladores". São mais de 120 relatos
emocionantes, mas, um dos mais simples, porém dos mais eloquentes, foi feito
por Sue Norris, que assim lhe escreveu:
"Sou autista e tenho uma cachorra, a Nikita, que sabe como eu sou. Ela me consola antes de eu dizer qualquer coisa".
Em São Paulo, Rafael Preto Pereira, de 8
anos, vive cercado por cachorros, pássaros e, principalmente, pelo carinho dos
pais. Por causa de uma anoxia (redução
de oxigênio) ocorrida no parto, tem uma
paralisia cerebral que comprometeu sua
capacidade motora. O tratamento inclui,
entre outros, a terapia com cavalos
(equoterapia), em que o movimento do
animal ajuda no equilíbrio e no fortalecimento da musculatura. Quando fala desses amigos, os olhos do garoto brilham e
mostram que os benefícios vão além dos
exercícios motores -são também de ordem emocional.
Já a cachorra Bina faz parte do dia-a-dia
do menino e comporta-se como se fosse
uma babá: cuida, protege, faz companhia
e, se percebe que o menino está precisando de um cuidado que ela não pode dar,
avisa a mãe, Rita, latindo sem parar.
Os animais-terapeutas -ou co-terapeutas, como chamava a psiquiatra Nise
da Silveira- são usados ainda com timidez no Brasil. Nos EUA, mais de 2.000
programas chamados PAT (Pet is a Terapy) levam animais para visitar doentes,
pessoas desamparadas, crianças com
doenças crônicas e idosos.
Sheldrake relata a história de um animal-terapeuta na Inglaterra que ia com
sua dona, Ruth, visitar diariamente um
abrigo em Birmingham. Segundo Ruth,
ele sabia exatamente como se comportar
diante dos vários pacientes. Com alguns
fazia palhaçadas, com outros se deleitava
em carinhos, percebendo o que cada um
necessitava. Fez várias amizades. Uma
das amigas, certa noite, pediu à enfermeira que chamasse o cachorro. Ela estava
morrendo. Ele ficou ao lado, com a cabeça repousando sobre a cama, até o fim.
Os animais podem deixar belas lições
aos homens. Os 13 anos de convivência
de Antônio Costella, professor aposentado da área de comunicações da USP, com
seu cachorro, Chiquinho, é um belo
exemplo. Depois de várias viagens pelo
exterior com o parceiro, muito envolvimento e pesquisas para entender melhor
comportamento animal e ecologia, o
professor descobriu uma nova maneira
de enxergar a vida. Tornou-se até vegetariano: "Não posso ver um bife no prato
que penso no músculo de algum animal",
conta. Para ele, Chiquinho deixou várias
lições. "Era um sujeito que tinha um cachorro, gostava dele, assim como gostava
da natureza, mas só usufruía. Hoje me
sinto comprometido com tudo o que faz
parte da vida. Veja só. O amor por um cachorro transformou-se, em mim, em
amor por toda a criação", diz, comovido.
Experiências assim são um convite para tornar as pessoas mais tolerantes, sensíveis e, principalmente, mais humildes
em relação à complexidade da vida.
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