São Paulo, quinta-feira, 20 de julho de 2006
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S.O.S. Família

Rosely Sayão

A busca pela imagem perfeita

Li uma reportagem na revista "Claudia" sobre adolescentes que se submetem a cirurgia plástica. Os números são impressionantes: das cerca de 650 mil cirurgias realizadas no ano passado no país, 15% foram em adolescentes entre 14 e 18 anos. E não são as meninas apenas que recorrem a tal recurso; os meninos, pouco a pouco, já aderem ao procedimento.
Ter nariz perfeito, seios volumosos e corpo sem excesso de gordura é o anseio da moçada. Eles querem ver no espelho uma imagem perfeita. Querem ter um corpo que vista bem uma roupa, não procuram uma roupa para o corpo que têm.
Tal comportamento é resultado de múltiplas pressões. A sociedade de consumo apresenta a esses jovens a idéia de que quem não tem determinado corpo não consegue ser feliz. A sociedade da aparência e do espetáculo os informa que, para ser notado, é preciso apresentar uma beleza padrão. O depoimento de uma garota na reportagem citada revela bem essa questão. Diz ela: "Quem não tem peitão não é ninguém".
Além disso, vivemos também na era do imediatismo, da busca de soluções rápidas com um mínimo de esforço. No lugar do empenho pessoal e do compromisso, colocamos o dinheiro. Preferimos comprar o bem-estar e uma auto-imagem satisfatória a empenhar energia para melhorar o que temos. E é nesse clima que o abuso de drogas, legais e ilegais, tem crescido entre os jovens e se apresentado cada vez mais cedo.
À primeira vista, pode parecer que nada há em comum entre os dois temas, mas um olhar um pouco mais atento aponta para uma estreita ligação entre eles. Vejamos: os jovens não têm encontrado grandes obstáculos quando se sentem descontentes com o corpo e a aparência e decidem que podem resolver isso rapidamente, com uma intervenção cirúrgica. Muitos pais até incentivam seus filhos e, inclusive, arcam com o ônus financeiro. É que os pais acreditam que devem promover a felicidade dos filhos, e se o filho acredita que a felicidade é ter esse corpo idealizado, por que não colaborar?
As lições que ensinamos aos jovens ao contribuir, mesmo a contragosto, para que ajam dessa maneira não são, entretanto, as que gostaríamos que eles aprendessem. Ensinamos, primeiramente, que a felicidade é um bem-estar instantâneo localizado, e não um estado fruto de uma série de eventos somados na vida. Ensinamos, também, que sempre é possível escapar de situações que provocam mal-estares, dissabores, frustrações, sofrimentos ou mesmo pequenos incômodos.
As substâncias químicas fazem parte desse arsenal que promete soluções rápidas e eficazes, e os adultos as usam com bastante freqüência. Há comprimidos para tudo: diminuir a fome, provocar e manter a ereção, suprimir a tristeza e produzir alegria, controlar a ansiedade, aumentar a energia etc.
Os adolescentes, que vivem de desconforto em desconforto nessa etapa transitória da vida, descobrem rapidamente a oferta generosa de substâncias que prometem aliviar esses mal-estares experimentados na busca de sua identidade adulta.
Afirma-se que essas drogas promovem a tal felicidade imposta a todos nós, mesmo que seja efêmera e com possíveis efeitos futuros pouco saudáveis. Mas o futuro não importa tanto quanto o presente, não é? As cirurgias plásticas em jovens com o corpo em desenvolvimento também podem provocar efeitos indesejados no futuro, mas isso não é considerado pelos jovens nem por seus pais.
O mundo atual é de uma complexidade incrível, e um ato educativo pode ter repercussões muito mais amplas do que as desejadas. Por isso, para educar é preciso muito mais pensar do que agir.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br

[...] A sociedade de consumo apresenta a esses jovens a idéia de que quem não tem determinado corpo não consegue ser feliz


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