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S.O.S. Família
Rosely Sayão
A busca pela imagem perfeita
Li uma reportagem na
revista "Claudia" sobre adolescentes que
se submetem a cirurgia plástica. Os números são
impressionantes: das cerca de
650 mil cirurgias realizadas no
ano passado no país, 15% foram
em adolescentes entre 14 e 18
anos. E não são as meninas apenas que recorrem a tal recurso;
os meninos, pouco a pouco, já
aderem ao procedimento.
Ter nariz perfeito, seios volumosos e corpo sem excesso de
gordura é o anseio da moçada.
Eles querem ver no espelho
uma imagem perfeita. Querem
ter um corpo que vista bem
uma roupa, não procuram uma
roupa para o corpo que têm.
Tal comportamento é resultado de múltiplas pressões. A
sociedade de consumo apresenta a esses jovens a idéia de
que quem não tem determinado corpo não consegue ser feliz.
A sociedade da aparência e do
espetáculo os informa que, para ser notado, é preciso apresentar uma beleza padrão. O
depoimento de uma garota na
reportagem citada revela bem
essa questão. Diz ela: "Quem
não tem peitão não é ninguém".
Além disso, vivemos também
na era do imediatismo, da busca de soluções rápidas com um
mínimo de esforço. No lugar do
empenho pessoal e do compromisso, colocamos o dinheiro.
Preferimos comprar o bem-estar e uma auto-imagem satisfatória a empenhar energia para
melhorar o que temos. E é nesse clima que o abuso de drogas,
legais e ilegais, tem crescido entre os jovens e se apresentado
cada vez mais cedo.
À primeira vista, pode parecer que nada há em comum entre os dois temas, mas um olhar
um pouco mais atento aponta
para uma estreita ligação entre
eles. Vejamos: os jovens não
têm encontrado grandes obstáculos quando se sentem descontentes com o corpo e a aparência e decidem que podem
resolver isso rapidamente, com
uma intervenção cirúrgica.
Muitos pais até incentivam
seus filhos e, inclusive, arcam
com o ônus financeiro. É que os
pais acreditam que devem promover a felicidade dos filhos, e
se o filho acredita que a felicidade é ter esse corpo idealizado, por que não colaborar?
As lições que ensinamos aos
jovens ao contribuir, mesmo a
contragosto, para que ajam
dessa maneira não são, entretanto, as que gostaríamos que
eles aprendessem. Ensinamos,
primeiramente, que a felicidade é um bem-estar instantâneo
localizado, e não um estado fruto de uma série de eventos somados na vida. Ensinamos,
também, que sempre é possível
escapar de situações que provocam mal-estares, dissabores,
frustrações, sofrimentos ou
mesmo pequenos incômodos.
As substâncias químicas fazem parte desse arsenal que
promete soluções rápidas e eficazes, e os adultos as usam com
bastante freqüência. Há comprimidos para tudo: diminuir a
fome, provocar e manter a ereção, suprimir a tristeza e produzir alegria, controlar a ansiedade, aumentar a energia etc.
Os adolescentes, que vivem
de desconforto em desconforto
nessa etapa transitória da vida,
descobrem rapidamente a oferta generosa de substâncias que
prometem aliviar esses mal-estares experimentados na busca
de sua identidade adulta.
Afirma-se que essas drogas
promovem a tal felicidade imposta a todos nós, mesmo que
seja efêmera e com possíveis
efeitos futuros pouco saudáveis. Mas o futuro não importa
tanto quanto o presente, não é?
As cirurgias plásticas em jovens
com o corpo em desenvolvimento também podem provocar efeitos indesejados no futuro, mas isso não é considerado
pelos jovens nem por seus pais.
O mundo atual é de uma
complexidade incrível, e um
ato educativo pode ter repercussões muito mais amplas do
que as desejadas. Por isso, para
educar é preciso muito mais
pensar do que agir.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
[...] A sociedade de consumo apresenta a esses jovens a idéia de que quem não tem determinado corpo não consegue ser feliz
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