São Paulo, terça-feira, 20 de setembro de 2011 |
Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
OUTRAS IDEIAS MICHAEL KEPP - mkepp@terra.com.br
A vida de uma viúva
COMO MINHA mulher e eu já passamos dos 60, tenho pensado que eu preferiria morrer antes dela, para evitar a dor de perdê-la. Mas, quanto mais analiso esse pensamento mórbido, mais egocêntrico ele parece. Afinal, minha preocupação é com poupar a mim mesmo da dor. Fosse eu menos egocêntrico ou mais masoquista, preferiria que minha mulher morresse antes. Assim eu sofreria com a perda dela, poupando-a da dor de me perder. Mas nenhuma das hipóteses me consola. Como nos preparamos para uma perda incalculável? Como saber o tamanho do vazio que ficará em nós ou em nossos amados? Como medir a tristeza? Nos casais idosos, a morte de um deles pode esvaziar o mundo do outro de tal maneira que o outro morre pouco depois. A passagem do tempo pode, porém, nos presentear com pessoas ou projetos que preencham esse vazio. Mas, no desespero, fazemos suposições falsas sobre o empobrecimento de nossa vida sem o(a) nosso(a) parceiro(a). Veja o caso da escritora Joyce Carol Oates. Num ensaio de 2010, ela descreveu um acidente de carro em 2008 do qual ela e seu marido, Ray, casados havia 45 anos, saíram levemente machucados, mas que poderia ter sido fatal. "Me dei conta de que se Ray tivesse morrido eu teria ficado totalmente só -que seria muito melhor para mim morrer com ele que sobreviver sozinha", ela escreveu. Um ano depois, Ray contraiu pneumonia e morreu de uma infecção secundária. Em sua autobiografia, "A Widow's Story", lançada neste ano, Oates escreveu: "Ray foi o primeiro homem em minha vida, o último homem, o único homem" -e contemplou o suicídio. Porém, 13 meses após a morte de Ray, ela, então com 70 anos, se apaixonou e se casou de novo. Talvez essa escritora menos que honesta tenha omitido em seu livro esse detalhe crucial porque seu segundo e romântico casamento desmentiu todas as suposições que fizera sobre a sua a vida depois de Ray. Oates fez essas suposições porque a vida de um(a) viúvo(a) recente é indefinida, uma incógnita sem regras sobre como continuar. Assim, ela fez da morte de seu marido "o" momento definidor de sua vida, em vez de "um". O que mais nos define não são as nossas perdas, mas como reagimos a elas, como transformamos finais em começos. A vida é uma caixa de Pandora, mas é também uma dádiva. MICHAEL KEPP, jornalista americano radicado há 28 anos no Brasil, é autor do livro "Tropeços nos Trópicos - crônicas de um gringo brasileiro (Record) Próximo Texto: Tudo em três tempos Índice | Comunicar Erros |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |