São Paulo, quinta-feira, 21 de maio de 2009
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OUTRAS IDEIAS

Anna Veronica Mautner

Força e fraqueza dos homens


[...] SEPARAR A SEXUALIDADE MASCULINA DOS CONCEITOS DE FORÇA, PODER E VIOLÊNCIA É UMA TAREFA COMPLEXA

Houve tempo em que os prazeres da mulher eram mistério.
Por serem tema tabu, ficaram envolvidos por lendas que encobriam as sensações do corpo feminino. Se falasse tudo o que sentisse, era vista como bruxa, descarada, impudica. Já mães, irmãs e filhas eram santas por definição. Só sentiam dor e alegria.
O homem era só querer e desejar, arrebatar, possuir: escravo obediente de seu corpo. A mulher estava livre dessas injunções, uma vez que era mais dada a dores do que a prazeres.
Pela literatura, pode-se acompanhar o acordar das mulheres.
Do bovarismo à "Bela da Tarde", caminhamos até o que hoje é normal: mulheres sentem, desejam e, quem diria, gozam.
Uma vez libertadas, chegou a hora de esmiuçar-se o comportamento sexual masculino e também as sensações, dilemas, forças e fraquezas dos machos.
Não que nunca se tivesse escrito sobre a ânsia do desejo em homens e mulheres. A pornografia descrevia e atiçava. Marquês de Sade, Sacher-Masoch e outros menos conhecidos foram autores das poucas obras literárias inteiramente dedicadas às agruras do sexo mal vivido. Agora chegou o momento de o homem expressar seu sentir e de suas sensações serem explicitadas não na forma de pornografia nem na forma medicalizada e também não na forma psicologizada.
Da forma mais realista possível, Freud e Melanie Klein fizeram, a partir da observação de crianças, a descoberta da sexualidade infantil. Hoje diríamos que o último ser mal descrito em suas ânsias e euforias, em sua dor e em seu gozo, é o homem. Ninguém entende esse tal de masculino. O que é um macho é uma questão que se coloca quase diariamente.
Quando Freud colocou a inveja do pênis, postulou simbolicamente a inveja da força e do poder. E os homens, o que será que eles procuram ao buscar a plenitude da química afetiva bem vivida?
Fui assistir à peça "O Homem da Tarja Preta", de Contardo Calligaris. Estou lendo o livro "Le Désir et la Putain", de Elsa Cayat e Antonio Fischetti, sobre o qual a editora da Universidade de Brasília pediu um parecer. Ele deve ser publicado e traduzido? De novo me embrenhei nos caminhos perdidos, mal descritos, da floresta de emoções da sexualidade masculina -e a resposta é sim.
Separar a sexualidade masculina dos conceitos de força, poder e violência, historicamente atribuídos ao homem, é uma tarefa tão complexa quanto separar a fada da bruxa, da mãe, da libertina. No tocante à mulher, o trabalho já foi feito.
Mães, irmãs e filhas podem se excitar, desejar e gozar. E os homens, podem pôr em público a ternura, sem se emascularem?
Agora é hora de inventar novos esquemas de brincar, de fazer de conta, que preparem homens que não precisam se sentir femininos para fazer um cafuné e mulheres que não precisam largar a ternura só porque ganham para se sustentar. É só você entrar numa loja de brinquedos para ver que a questão não está resolvida, a não ser na prateleira de jogos eletrônicos.


ANNA VERONICA MAUTNER , psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)

amautner@uol.com.br

Leia na próxima semana a coluna de Dulce Critelli


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