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Outras idéias - Wilson Jacob Filho
Contextualizando
Era para ser uma consulta de rotina. Há
muito acompanho,
em casa, a evolução
de um paciente com nítida limitação dos movimentos, conseqüência de um acidente vascular encefálico (derrame).
Seu bom humor é surpreendente. Sua vontade de recuperar a funcionalidade, ainda
maior. Para tal, participa ativamente das propostas terapêuticas e estimula seus profissionais na busca de soluções. Todos os envolvidos sabem que,
em qualquer processo de capacitação, a motivação é determinante para o sucesso.
Naquela manhã, porém, notei algo diferente. Nitidamente
menos efusivo, recebeu-me
com um olhar profundo. Senti a
necessidade de mudar de atitude e, ao invés das clássicas perguntas, sentei-me ao seu lado e
me propus a ouvir.
Suspirou e pôs-se a falar, sem
mágoa e com grande profundidade nas análises, comparando
as suas limitações atuais com as
liberdades de outrora. Manifestou suas saudades de tudo o que
já lhe pertenceu em termos de
autonomia e independência.
Estaria deprimido, diriam
muitos, e necessitava de novos
remédios para voltar a sorrir.
Não pensei nem agi assim.
Ao perceber que queria ouvir
a minha opinião, convidei-o a
olhar para o passado de forma
menos idealizada, não apenas
comparando-se com aquele de
décadas atrás mas também
com o que esteve internado
imediatamente após o acidente
vascular. Sua evolução foi surpreendente, mesmo para os
mais otimistas. Atualmente,
não há impedimento para sua
locomoção, embora não possa
realizá-la sozinho. Comunica-se por todos os meios, desde
que assessorado ao telefone ou
ao computador.
Ouviu-me com atenção,
olhou-me profundamente uma
vez mais e disse em voz nitidamente consciente: Não sou
nem serei mais perfeito.
Entendi a importância dessa
conscientização e argumentei:
Quem o é, caro amigo? Qual de
nós, em qualquer idade, pode
tudo? Mesmo o mais versátil
dos artistas reconhece suas limitações e o mais excepcional
dos atletas tem aspirações. Não
há quem não tenha, em todas as
fases da vida, algo a iniciar,
aprimorar ou recuperar.
Com essa certeza, torna-se
fundamental que a avaliação do
momento presente seja feita de
forma contextual: quais as possibilidades atuais e por que
meios será possível atingir os
objetivos escolhidos.
Com o avançar da idade, a
comparação isolada com o passado remoto torna qualquer
perspectiva pouco atraente.
Por esse motivo ainda sofrem muitos dos que temem o
envelhecimento e as condições
a ele associadas. Erro de principiante. Quem amadurecer
pensando realisticamente no
processo verá que em cada
contexto há inúmeros aspectos a serem melhorados para
atender às necessidades e às
aspirações individuais.
Meu interlocutor relaxou o
semblante, deu sua costumeira gargalhada e se propôs a refletir mais sobre o tema.
Não vejo a hora de visitá-lo
novamente.
[...]
A AVALIAÇÃO DEVE SER FEITA
DE
FORMA CONTEXTUAL: QUAIS AS POSSIBILIDADES ATUAIS E
POR QUE
MEIOS SERÁ POSSÍVEL ATINGIR OS
OBJETIVOS ESCOLHIDOS
WILSON JACOB FILHO, professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de
Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor
de "Atividade Física e Envelhecimento Saudável" (ed. Atheneu)
wiljac@usp.br
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