São Paulo, quinta-feira, 21 de junho de 2007
Próximo Texto | Índice

Outras idéias - Wilson Jacob Filho

Contextualizando

Era para ser uma consulta de rotina. Há muito acompanho, em casa, a evolução de um paciente com nítida limitação dos movimentos, conseqüência de um acidente vascular encefálico (derrame).
Seu bom humor é surpreendente. Sua vontade de recuperar a funcionalidade, ainda maior. Para tal, participa ativamente das propostas terapêuticas e estimula seus profissionais na busca de soluções. Todos os envolvidos sabem que, em qualquer processo de capacitação, a motivação é determinante para o sucesso.
Naquela manhã, porém, notei algo diferente. Nitidamente menos efusivo, recebeu-me com um olhar profundo. Senti a necessidade de mudar de atitude e, ao invés das clássicas perguntas, sentei-me ao seu lado e me propus a ouvir.
Suspirou e pôs-se a falar, sem mágoa e com grande profundidade nas análises, comparando as suas limitações atuais com as liberdades de outrora. Manifestou suas saudades de tudo o que já lhe pertenceu em termos de autonomia e independência.
Estaria deprimido, diriam muitos, e necessitava de novos remédios para voltar a sorrir.
Não pensei nem agi assim.
Ao perceber que queria ouvir a minha opinião, convidei-o a olhar para o passado de forma menos idealizada, não apenas comparando-se com aquele de décadas atrás mas também com o que esteve internado imediatamente após o acidente vascular. Sua evolução foi surpreendente, mesmo para os mais otimistas. Atualmente, não há impedimento para sua locomoção, embora não possa realizá-la sozinho. Comunica-se por todos os meios, desde que assessorado ao telefone ou ao computador.
Ouviu-me com atenção, olhou-me profundamente uma vez mais e disse em voz nitidamente consciente: Não sou nem serei mais perfeito.
Entendi a importância dessa conscientização e argumentei: Quem o é, caro amigo? Qual de nós, em qualquer idade, pode tudo? Mesmo o mais versátil dos artistas reconhece suas limitações e o mais excepcional dos atletas tem aspirações. Não há quem não tenha, em todas as fases da vida, algo a iniciar, aprimorar ou recuperar.
Com essa certeza, torna-se fundamental que a avaliação do momento presente seja feita de forma contextual: quais as possibilidades atuais e por que meios será possível atingir os objetivos escolhidos.
Com o avançar da idade, a comparação isolada com o passado remoto torna qualquer perspectiva pouco atraente. Por esse motivo ainda sofrem muitos dos que temem o envelhecimento e as condições a ele associadas. Erro de principiante. Quem amadurecer pensando realisticamente no processo verá que em cada contexto há inúmeros aspectos a serem melhorados para atender às necessidades e às aspirações individuais.
Meu interlocutor relaxou o semblante, deu sua costumeira gargalhada e se propôs a refletir mais sobre o tema. Não vejo a hora de visitá-lo novamente.

[...] A AVALIAÇÃO DEVE SER FEITA DE FORMA CONTEXTUAL: QUAIS AS POSSIBILIDADES ATUAIS E POR QUE MEIOS SERÁ POSSÍVEL ATINGIR OS OBJETIVOS ESCOLHIDOS


WILSON JACOB FILHO, professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de "Atividade Física e Envelhecimento Saudável" (ed. Atheneu)
wiljac@usp.br



Próximo Texto: Pergunte aqui
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.