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Rosely Sayão
De geração em geração
"Mãe, posso ir até
a casa do Paulinho? Ele me
chamou para
jogar bola até a hora do jantar",
pediu o garoto de quase dez
anos. O amigo morava em frente à sua casa, e a mãe autorizou
por telefone, não sem antes dar
ao filho as orientações que julgou necessárias. Essa mãe agiu
de modo sensato e responsável
nas duas atitudes que tomou.
Ao permitir que o filho saísse
de casa sozinho, mesmo para
um curto trajeto nessa idade,
ela o incentivava a se apropriar
do espaço público e a construir
autonomia para ir e vir dos lugares. Ao passar as orientações,
ela realizou a tutela necessária,
já que criança e adolescente
ainda não costumam planejar
suas ações nem tomar determinados cuidados, a não ser quando alertados. A mãe ajudou o filho, portanto, a aprender a se
cuidar e a administrar a autonomia que ela o estava ajudando a construir para ver como
ele responderia. Essa é a atitude mais educativa: passar responsabilidades e aguardar para
ver como a criança reage.
"Não atravesse a rua fora da
faixa de pedestre, não corra,
não se desvie do caminho e não
volte para casa depois do horário", foram as instruções da
mãe antes que ele desligasse o
telefone e saísse de casa -provavelmente correndo.
Ao determinar o modo como
o filho deveria agir, a mãe foi
cuidadosa porque forneceu ao
garoto pontos de referência.
Com as ordens, ela mostrou
que ele deveria prestar atenção
para realizar o trajeto com segurança; ao dar um limite para
seu retorno, ela o responsabilizou por gerir seu tempo. Isso é
educar para a construção de autonomia: ensinar o filho a se autogovernar, tutelando o necessário enquanto ele precisa.
O problema foi a forma como
ela passou as orientações: partiu sempre do negativo. Esse é
um cacoete comum em educação: pais e professores têm o
mau costume de quase sempre
considerar primeiro os erros
que os mais novos podem cometer. Por que temos sempre
de começar pelos problemas,
pelos limites, pelos equívocos e
pela ameaça de punição quando educamos? Podemos começar pela crença de que a criança
procure acertar e descubra o
espaço que tem para experimentar e encontrar soluções. A
atitude otimista, aliás, é a única
possível para quem educa.
Essa mãe poderia ter dito a
mesma coisa pelo positivo:
"Atravesse a rua na faixa, vá andando sempre rumo à casa do
Paulinho e volte no horário
combinado". Qual a diferença
entre as duas formas?
A forma usada pela mãe sinaliza o que ela imaginou que o filho pudesse fazer, não é? Quando se diz a uma criança "não faça" é porque se credita a ela a
vontade de fazer. Se não considero tal hipótese, qual o motivo
para apontar o negativo?
Acontece que nem sempre a
criança apresenta a vontade
que se imagina, mas, a partir do
momento em que alguém
aponta que ela possa ter, há
grandes chances de ela realmente ter. Por isso é que o proibido é tão tentador.
Uma leitora contou que a filha, de quase dois anos, estava
descobrindo a casa até que chegou à estante do pai, para quem
os livros são muito importantes. Como as prateleiras chegavam até o chão, logo a menina
quis pegar os livros. A mãe ajudou, explicou como manusear e
finalizou dizendo: Só não pode
rasgar. Pronto: logo depois, lá
estava ela rasgando livros. Talvez a mãe não precisasse dar a
deixa: poderia apenas ter ensinado os cuidados e, caso a filha
rasgasse algum por acaso, aí
sim poderia dizer que isso era
algo a ser evitado.
Que tal passarmos a assinalar
mais as possibilidades do que
os limites quando educamos?
Tal atitude demonstraria mais
esperança em relação aos mais
novos e talvez isso seja algo
precioso para que eles percebam sua potência.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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