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São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 2003
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s.o.s família - rosely sayão

Deslizes de educador quando há namoro na escola

Recebi uma correspondência muito instigante de uma leitora de 16 anos que nos ajuda a refletir bastante sobre a educação que temos praticado, principalmente com adolescentes, no espaço escolar. Ela conta que as regras da escola que frequenta -e ela reconhece que toda escola precisa ter suas regras- estão mudando muito rapidamente e sem que os alunos opinem a respeito do assunto. A questão em jogo é o namoro na escola. A história é boa porque reflete o que ocorre em boa parte das escolas.
Primeiro ato: a aluna namora um garoto do mesmo colégio. Nos intervalos, ficam juntos -como outros casais-, abraçam-se e beijam-se na frente dos demais, inclusive dos mais novos. Não há regra para isso.
Segundo ato: depois de um tempo em que isso acontece regularmente, o diretor aparece no intervalo e avisa que, daquele dia em diante, está proibido o namoro na escola.
Os casais entendem que isso significa não poder mais beijar em público e deixam de fazê-lo, mas continuam juntos aos pares e abraçados.
Terceiro ato: a escola comunica que é proibido o contato físico nos intervalos por causa das crianças menores. Final da peça: os alunos se revoltam e comentam que já viram o diretor beijando a namorada e que é injusto que ele proíba os alunos de fazerem o mesmo que ele faz. Quantos equívocos da parte dos que deveriam educar, não? E o pior de tudo isso é que quem arca com o resultado desses deslizes são os que deveriam receber a educação.
O primeiro equívoco -e não em ordem de importância: a escola não considerar que, havendo alunos adolescentes, as manifestações da sexualidade surgem e são legítimas. Uma escola de ensino médio, principalmente, que não planeja suas ações educativas ante essas questões não exerce sua competência nem sua responsabilidade.
O segundo equívoco: deixar de ensinar aos alunos o âmbito do público e do privado. Proibir, pura e simplesmente, o namoro na escola é tratar os adolescentes como crianças incapazes de aprender a se responsabilizar por suas ações no espaço que é de todos, de distinguir o que faz parte da vida privada e do que é parte do convívio social e também de compreender que, quando se está em grupo, as liberdades individuais ficam, naturalmente, cerceadas.
Além disso, proibir o namoro é mais ou menos o mesmo que esperar que o aluno seja responsável com seus estudos. Esses são conceitos abstratos que precisam ser clareados para que possam ser assumidos.
O terceiro é consequência do anterior: se os alunos não discutem as questões, não participam da elaboração das regras, não vão obedecer a elas. E, quando não há fundamentação legítima para as regras impostas, reagem na mesma altura. Acham-se no direito de julgar o comportamento da vida privada do diretor porque, da mesma forma, são julgados. Isso é fruto da ordem igualitária que se instalou na escola: os educadores tentam convencer os alunos à obediência usando argumentos -em geral moralizantes- que visam controlar seu comportamento.
Para propor regras para o relacionamento amoroso na escola, é preciso ter em mente o objetivo da presença dos alunos na escola e o limite do tolerável e do intolerável na convivência no espaço público. E isso requer o estabelecimento de limites claros e de princípios que devem ser respeitados por todos. Viver em grupo exige disciplina, e isso se aprende na prática, principalmente na escola.
Nossa leitora precisa aprender que nem sempre é possível chegar a um consenso a respeito das regras de convivência, mas, mesmo assim, elas precisam ser respeitadas em nome do coletivo. Só que, para chegar a essa compreensão, ela precisa de educadores que ensinem as diferenças entre os interesses individuais e os coletivos. As escolas estão cientes dessa questão? Infelizmente, pela reação dos alunos, parece que não. E é aí que entra o papel importante dos pais: cobrar da escola essa atuação, que, apesar de ser uma árdua tarefa, é fundamental para a formação de seus alunos.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail: roselys@uol.com.br


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