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BELEZA
Estética dominante
Eduardo Knapp/Folha Imagem
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Eliza de Sousa, 46, psicóloga
FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL
DESIREÊ ANTONIO
MAURÍCIO HORTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Ao contrário da maioria de suas amigas, a
bioquímica Lucy Dialetachi, 54, nunca fez
plástica. Não por falta de vaidade -ela se prepara para desfilar
pelo 12º ano no Carnaval paulistano e diz que é do tipo que
"corre para ser fotografada".
"Não sou dessas que deixam o
cabelo branco. Já aos dez anos
pedi ao meu pai que me comprasse pomada de vitamina A,
para o rosto", conta.
Feliz por manter as medidas
de quando era solteira, ela afirma não se importar com as rugas que apareceram em seu
rosto. Ainda assim, não está
imune à opinião das amigas,
que a aconselham a removê-las,
"para tirar o ar de cansaço".
"Se estou contente, as marcas desaparecem." Mas basta o
ânimo abaixar para que ela volte a percebê-las. "Aí você só
pensa em arrumar os defeitos."
Lucy não é a única a se sentir
pressionada para dar um retoque na aparência. Com a popularização dos procedimentos
estéticos e a difusão de um padrão de beleza no qual não cabem as marcas do tempo, os
consultórios dos dermatologistas e cirurgiões plásticos lotam
de pessoas à procura de soluções para disfarçar rugas, flacidez e gordurinhas.
Junte-se a isso a constante
divulgação de intervenções sofridas por celebridades e políticos -a última foi a ministra
Dilma Rousseff, que acaba de
aparecer com visual repaginado após fazer um lifting facial
(intervenção em que se levanta
a pele para eliminar rugas) e
uma cirurgia nas pálpebras.
Para a dermatologista Luciana Conrado, conselheira da Sociedade Brasileira de Dermatologia - Regional São Paulo, a
simplificação dos procedimentos cosméticos, que se tornam
menos invasivos, e sua divulgação nem sempre responsável
contribuem para a banalização
desse tipo de prática.
Segundo ela, a ênfase excessiva que se atribui à imagem na
sociedade contemporânea faz
com que o corpo passe a ser
uma forma de afirmar a identidade. "Em vez de cultivarem a
individualidade, as pessoas buscam padrões. Parece que
somos um protótipo que temos
que redesenhar e corrigir."
A cabeleireira Roseli de Lima, 41, não pensa assim. Para
ela, nem toda imperfeição deve
ser corrigida. "Um defeito, se
for um pouquinho, pode ser um
charme", diz ela, que afirma se
sentir "maravilhosa".
Já suas amigas acham que
poderia estar melhor e fazer
uma "lipo". Mas ela não quer.
"Não sou magra nem muito
gorda e estou sempre de salto, o
que ajuda, né?" Além de temer
as complicações que a plástica
pode trazer, Roseli diz que "as
pessoas buscam tanto a beleza
de forma artificial que acabam
espantando ao invés de atrair".
No trabalho
O culto à juventude na sociedade ocidental é outro fator citado por Luciana Conrado como responsável pelo aumento
da pressão por plásticas. "Há
uma busca por prevenir algo
inexorável, que é o envelhecimento. Enquanto entre os
orientais a experiência é valorizada por trazer sabedoria, aqui
há valorização da juventude."
Ela diz receber em seu consultório muitos executivos mais velhos que querem aparentar menos idade por se sentirem inseguros em relação aos
colegas mais novos, cada vez
mais presentes nas grandes
empresas. "Os homens sofrem
muita pressão também. Alguns
têm uma testa marcada que
não combina com a imagem
que precisam passar no emprego e aplicam toxina botulínica
[conhecida como botox] para
dar mais suavidade", diz.
O psicólogo Florival Scheroki, doutor em psicologia experimental pela USP (Universidade
de São Paulo), observa que as
motivações que levam a fazer a
cirurgia nem sempre são pessoais. "Se você depender muito
do corpo para trabalhar, como
uma atriz, a plástica é uma
questão prática. Boa parte dos
políticos, por exemplo, usa botox. Se Dilma Rousseff não fosse ministra, não sei se faria a
plástica", diz.
Para o ator Tuca Andrada, 44,
a intervenção cosmética pode,
ao contrário, prejudicar o trabalho. "Acho muito perigoso
um ator fazer plástica. Ele trabalha com expressão, e a plástica pode mudá-la muito", diz.
"Um ator tem que ter as marcas
no rosto, pois é algo que ele carrega e que vai ajudá-lo na interpretação", afirma.
Ele conta, rindo, que seu dermatologista já lhe perguntou se
não gostaria de aplicar botox.
"Acho mais complicado ainda
porque paralisa o rosto. Não há
nada de mais em se cuidar. Mas
o tiro pode sair pela culatra."
Para a antropóloga Liliane
Brum Ribeiro, apesar de o mercado de cirurgias plásticas estéticas para homens vir crescendo gradativamente, trata-se de
uma questão socialmente relacionada às mulheres -ou a uma "maneira medicalizada de
construir a feminilidade". "Entre os homens, existem reservas em admitir as cirurgias estéticas, pois elas ainda estão
muito circunscritas ao universo feminino".
Ela fez uma pesquisa na qual
acompanhou, por quatro anos,
cerca de 30 mulheres que haviam se submetido cirurgias
plásticas. Observou que, para
muitas, a intervenção aparece
como uma solução mais imediata do que fazer exercícios,
por exemplo. "As cirurgias dão
uma sensação de "cinderela",
ou, como me disse uma jovem
que fez lipoescultura, silicone e
botox, você dorme feia e acorda
bonita"."
Transtorno
A supervalorização da imagem pode até contribuir para
desencadear ou piorar um problema psiquiátrico: o transtorno dismórfico corporal. Luciana Conrado acaba de finalizar
um estudo com pessoas que
têm o problema, caracterizado
por preocupação exagerada
com defeitos no corpo -que
podem ou não existir. "Se o paciente tem um defeito mínimo,
ele pensa que é algo enorme.
Há quem ache que tem manchas no rosto quando não tem
ou elas são imperceptíveis."
Conrado acompanhou 350
pessoas e viu que cerca de 10%
tinham o transtorno. Destas,
60% já haviam se submetido a
algum tratamento estético. A
maioria ficou insatisfeita com o
resultado. "Elas vão de médico
em médico passando por vários
procedimentos, mas nunca estão satisfeitas. Uma paciente
havia operado o nariz 12 vezes.
É incrível encontrar médicos
que fazem isso."
Ela afirma que os médicos
devem ficar atentos para esses
casos. "É um desafio enorme,
pois, se você fala que não vai fazer, o paciente vai ao vizinho e
ele faz. É preciso criar uma rede
de proteção em torno da pessoa, trabalhar em conjunto
com psicólogos, psiquiatras."
Foi a dermatologista de Eliza
de Sousa, 46, que sugeriu que
ela aplicasse botox em uma
marca de expressão na testa. A
psicóloga frequentava o consultório só para tratar acne.
"Ela me pediu que "pensasse
com carinho", mas acho que
não preciso. Para ela, estou
pensando até hoje", brinca. Eliza diz que reagiu naturalmente
ao pedido. "O profissional tem
o direito de oferecer seu trabalho. Aceita quem quer."
Para especialistas, a cirurgia
plástica em si não é ruim. Con-rado lembra que há muitos casos em que a intervenção é
acompanhada por melhora na
autoestima. "Há pessoas que
são muito insatisfeitas com algo que pode ser mudado e se
sentem bem após a correção."
Segundo Scheroki, o problema está nas expectativas. "A cirurgia passa a ser um problema
quando a pessoa sofre com algum aspecto de sua aparência e
deposita a expectativa de alívio
desse sofrimento na plástica.
Esse é um indicativo de que ela
deve procurar ajuda psicológica e, não apenas a cirurgia."
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