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Rosely Sayão
Aprender a se desobedecer
As livrarias estão repletas de livros na categoria "auto-ajuda". E
eu tive a idéia para
mais um. O título pode ser "Como Aprender a se Desobedecer
para Alcançar Seus Objetivos e
Ter Qualidade de Vida" e será
sucesso de vendas, se tiver boa
campanha publicitária, claro.
O autor -ou autora- precisa
ter boa presença no vídeo e espontaneidade para se sair bem
nas entrevistas, cativar o público e aumentar ainda mais as
vendas. Ele também terá de ter
disponibilidade para continuar
a escrever porque, com o êxito
do título, as editoras vão querer
filhotes dele. "Ensine Seu Filho
a Usar a Desobediência a Seu
Favor", por exemplo, pode ser o
segundo título do fenômeno
que se transformará em série.
O parágrafo inicial pode ser
assim: "Ouse se desobedecer! A
vida toda você aprendeu a desobedecer aos seus pais, ao chefe, às regras de trânsito, aos
prazos estabelecidos etc. Mas
nunca ninguém ensinou você a
desobedecer a você mesmo, a
pessoa mais importante de seu
universo. Então, torne a autodesobediência parte de sua vida
a partir de agora e você alcançará um patamar superior".
A expressão "eu vou me desobedecer agora" se transformaria em um mantra. Quem estivesse de dieta e tivesse vontade
de comer além do permitido se
lembraria dele, os casados
iriam usá-lo como oração para
escapar às tentações da carne.
As crianças, que se inspiram
nos adultos, tentariam incorporar a mania e, quanto mais
desobedientes fossem, mais
agradáveis seriam consideradas. O problema é que elas não
entenderiam a diferença entre
desobedecer aos pais e professores e a si mesmo, e a vida de
pais e mestres seguiria difícil.
Entretanto, depois de um
tempo, apesar de o livro se
manter na lista dos mais vendidos, tudo continuaria igual para os leitores. É que, passado o
entusiasmo inicial, o rei ficaria
nu, e as pessoas perceberiam
que, entre considerar boas as lições dos livros e conseguir praticá-las, há um longo caminho.
Para desobedecer às vontades imediatas, a pessoa precisa
ter autonomia e capacidade para se controlar. E a cultura
atual valoriza mais o aqui e agora. É por isso que tem sido tão
difícil para muita gente fazer
dieta: é mais fácil ceder ao prazer imediato do que à promessa
de satisfação futura.
Além de autonomia, para
praticar a autodesobediência é
preciso ser persistente, esforçado, comprometido até os ossos com tal conceito, e a tenacidade não tem sido uma qualidade popular entre nós. Aliás,
tal palavra parece estar guardada a sete chaves no dicionário
ultimamente, não é? Finalmente -mas só neste texto-,
para se desobedecer é preciso
ter maturidade para renunciar
-já que rejeitar o imperativo
das paixões não é simples.
Por essas razões, o livro seria
esquecido e suas lições, renegadas, mas só até que outro autor
tivesse outra boa idéia para escrever a mesma coisa de um outro jeito. É que, no fundo, sabemos que temos sido escravos de
nossos impulsos e caprichos. E
esse tipo de livro faria, novamente, um grande sucesso.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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