São Paulo, quinta-feira, 22 de abril de 2004
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pai moderno exige ser mais do que provedor

Jorge Araújo/Folha Imagem
Fabio Paranhos com a filha, Sofia, 8


Ele é sensível, mas firme como educador; participa da vida dos filhos sem seguir padrões e exerce a paternidade durante toda a vida

KARINA KLINGER
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Elas foram atrás de igualdade de direitos, venceram boas batalhas e ainda deixaram um presente especial para o sexo oposto: a chance de eles exercerem a paternidade em pé de igualdade. E os que aproveitam essa deixa vivenciam uma masculinidade diferenciada. O conceito da nova paternidade exclui comportamentos padronizados e ditatoriais, como ter de freqüentar todas as reuniões da escola ou de participar de todos os momentos importantes da vida da prole. Esse pai assumido é sensível e presente, mas também sabe impor a autoridade, por exemplo.
A nova paternidade reforça a masculinidade e dá mais segurança ao homem. Permite a ele que melhore sua relação com o mundo. "Além de ajudar a quebrar defesas, o filho retira o homem da introspeção", diz o psiquiatra Luiz Cuschnir, que está formando, no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (SP), um grupo de discussão com pais e mães a respeito dos respectivos papéis. "Em todos os níveis sociais, os homens mostram-se mais preocupados em chegar a uma via de acesso aos filhos."
Apesar de escassas, as pesquisas indicam que o desejo de ser pai e também de exercer a paternidade de forma menos convencional está cada vez mais evidente. Entrevistas feitas pela terapeuta familiar Sandra Fedullo Colombo, com 120 homens e mulheres, evidenciaram que a maioria deles questionam o fato de não passarem de meros provedores. "Eles não querem perder a chance de exercer a paternidade. Querem morar com os filhos, acompanhar o crescimento deles de perto", diz Colombo, que, em junho, lança um livro sobre o assunto ("Ainda Existe a Cadeira do Papai?", ed. Vetor).
Reconhecendo que o assunto tem relevância, alguns governos e algumas empresas na Europa e nos Estados Unidos dispõem de políticas que possibilitam que os trabalhadores fiquem mais tempo com os filhos.
Um estudo realizado em 2000 pelo instituto de pesquisa americano Harris mostrou que 70% dos homens até abdicariam facilmente de um salário mais alto em troca de mais tempo com a prole -entre as mulheres, essa resposta foi dada por 63%.
O gerente de recursos humanos Fabio Paranhos, 40 anos, é um exemplo reforçado desse "novo" pai. Na falta de uma companheira e futura mãe dos seus filhos, após vários relacionamentos, ele partiu para a adoção. "Sempre tive vontade e, em 1999, inscrevi-me em um programa de adoção. Em outubro, conheci a Sofia, na época com três anos. No começo foi difícil. Quando a peguei para sair pela primeira vez, ela não parou de chorar até chegarmos em casa. Fiquei me sentindo um monstro. Lembro que, em um dos encontros, ela se encantou com a minha mãe, logo passou a chamá-la de vó. Mas não conseguia dizer pai."
Hoje a relação vai muito bem -tanto que o nome de Paranhos já figura em uma segunda lista de adoção. Ele quer uma irmã para Sofia, agora com oito anos. A realidade do pai solteiro surpreende e o obriga a deparar-se com perguntas tolas, como: "É você que a leva ao cabeleireiro?" ou "Você sabe quanto ela calça?", feitas pela vendedora da loja que não encontra uma mulher ao lado do pai e da filha.
"Isso aprendi a levar numa boa. Só fico chateado, às vezes, por não ter com quem dividir as decisões, como escolher um colégio bacana." No campo profissional, ele negociou a redução da carga horária dentro da empresa em troca de levar trabalho para casa.
O novo conceito de paternidade abrange, além de desejos e atitudes antes exclusivos de mães, as armadilhas enfrentadas por elas. Não saber separar o papel de pai do papel de homem e sofrer na hora de encarar novos relacionamentos é uma delas. "Eles acabam se escondendo atrás da figura do pai, tornam-se reféns dos filhos e, quando se separam, têm dificuldade para se envolverem novamente", diz Cushnir. O publicitário Milthon Cury, por exemplo, esperava mais de um ano para apresentar a namorada nova aos filhos, Natália e Gustavo. "Ficava com receio da reação deles. Além disso, precisava encontrar alguém que os aceitasse, pois eram pequenos, a mais velha tinha cinco anos." Afinal, há de se levar em conta o variado gosto feminino.
Há aquelas que valorizam os homens que assumem a responsabilidade paterna, mas há as que fogem de homens separados da mulher, mas não dos filhos. Aliás, nesse quesito, pais e mães costumam fazer muita confusão. É difícil compreenderem que a separação do casal, quando ocorre, é dentro do casamento, e não na relação com os filhos.
Para o psicólogo Ailton Amélio, do Departamento de Psicologia Experimental da USP, hoje se vive em um mundo de representações, no qual predomina a ditadura do afeto, ou seja, é preciso demonstrar o amor por meio de atos e práticas. Por isso essa relação dos homens com os filhos se complica um pouco. "Cada um demonstra afeto de uma maneira, não é preciso dar todas as mamadeiras e ficar todos os dias ao lado dos filhos para amá-los. Estar presente e ligado é muito mais do que realizar as tarefas domésticas."
Aliás, o desejo exacerbado de estar sempre presente na vida do filho pode até criar uma competição entre os progenitores. O casal Eliane e Roberto Kreisler admitem, especialmente ele, que, durante um tempo, viveram essa competição bem-intencionada. Ambos queriam participar de absolutamente tudo na vida do casal de filhos. Das idas ao médico até o transporte diário para a escola! Ele conta que teve um pai superprotetor e acreditava que o bom pai era desse gênero: hiperparticipativo. Com o tempo, aprendeu a relaxar e dividir as funções com a mulher.
São os mais jovens que melhor assimilam essa nova paternidade. Mas há vovôs indo atrás do tempo perdido, como Walter Teister, 70. "No meu tempo, o pai era aquele que trazia dinheiro para a comida e para a escola dos filhos. Como eu trabalhava no interior, tinha pouco tempo para ficar com as quatro crianças. Ficava amargurado por não ter dinheiro suficiente, hoje eu me arrependo de não ter aproveitado a infância deles, então faço isso com meu bisneto", diz o mecânico aposentado, que troca fralda, dá comida, conversa, brinca e chora com Vitor Hugo, 2. "Não preciso ser aquele homem durão. No começo dá medo, mas todo homem deve viver o gostinho da paternidade para ver como é bom."


Texto Anterior: Estômago é vítima das drogas antiinflamatórias
Próximo Texto: Atitudes próprias de pai moderno
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.