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ROSELY SAYÃO
Bruxas, monstros e morte
A mãe de uma garotinha de quase quatro
anos escreveu para
contar que estava
considerando a possibilidade
de tirar a filha da escola. O motivo? A professora conta histórias para as crianças que tratam
de morte, falam de monstros,
bruxas e de todo tipo de ser
imaginário. Para essa mãe, isso
gera medo e angústia na filha e,
por isso, ela tem pesadelos frequentes. Como nossa leitora
não está sozinha nesse tipo de
pensamento, vamos conversar
a respeito.
Temos feito de tudo para evitar que a criança sofra, não é?
Ou, pelo menos, tentamos evitar que elas tenham contato
com tudo o que julgamos que
pode gerar dor, ansiedade, angústia e outros sentimentos semelhantes. O tema emblemático nesse sentido é a morte. Escondemos a morte das crianças: esse não é mais um tema de
conversa entre pais e filhos,
elas não mais participam de velórios e funerais, evitamos que
assistam a filmes ou ouçam histórias que trazem a ideia de
morte à tona.
Conheço uma mãe de duas
crianças pequenas que assiste a
cada filme infantil antes de
seus filhos para averiguar se
não há cenas que assustam ou
trazem a presença da morte.
Ela não deixou os filhos assistirem à animação "Procurando
Nemo" porque a mãe do peixinho morre e ela não achou adequado que as crianças fizessem
perguntas sobre isso. Consideramos esse assunto muito pesado para elas e, por isso, procuramos poupá-las dele, como
se isso fosse possível. É preciso
saber que não é.
Não são as histórias com seus
enredos e personagens que
criam para a criança conflitos,
medos e angústias e tampouco
apresentam a ela o tema da
morte. Essas são questões humanas e, ao contrário do que alguns pensam, os personagens
fantásticos e as tramas dessas
histórias ajudam a criança a encontrar caminhos para entender e superar, pelo menos temporariamente, o que sente.
A atitude chamada "politicamente correta" de transformar
histórias e lendas infantis de
modo a subtrair delas o que
consideramos que possa fazer
mal à criança ou sugerir o que
consideramos "maus exemplos" não faz o menor sentido.
Será que esquecemos que o que
pode fazer mal a elas é o que está presente na realidade do
mundo adulto, agora totalmente acessível a elas?
Não é hipócrita não mais
cantar "Atirei um pau no gato",
mas permitir que as crianças
assistam a campeonatos de futebol em que jogadores intencionalmente se agridem para
levar vantagem? Não é curioso
evitar que elas ouçam histórias
de bruxas que perseguem
crianças, mas permitir que assistam a noticiários que mencionam assassinatos e abusos
sexuais de crianças?
Que as bruxas, os duendes e
os monstros, as madrastas malvadas e as crianças órfãs habitem o imaginário de nossas
crianças é tudo o que podemos
desejar. É que nesse mundo, diferentemente do mundo adulto, elas contam com as fadas e
suas varinhas de condão, com
os príncipes que salvam as
princesas do sono eterno e,
principalmente, com um final
em que o bem vence o mal.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@uol.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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