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drible a neura
A saia justa de cruzar com terapeuta na rua
STELLA GALVÃO
FREE-LANCER PARA A FOLHA
Dois casais se encontram em uma feira de arte. Sob o olhar
ciumento da esposa, um dos homens cumprimenta a mulher do outro. Ela devolve o cumprimento, enquanto seu marido
observa a cena placidamente. "Ele não quis saber quem era. Na
sessão do dia seguinte, o cliente também não tocou no assunto, e
a nossa relação continuou boa", diz a psicóloga Vivian Schindler.
Só de imaginar um encontro desses
com o terapeuta causa arrepios em muita
gente. Fora do consultório, o acordo tácito de preservação da privacidade e da
cumplicidade é ameaçado. Por isso, encontros casuais na rua ou no restaurante
em geral provocam profundo constrangimento. Então, como reagir ao topar
com o terapeuta e vice-versa?
Entre as diversas correntes da psicologia, a psicanálise é uma das mais rígidas
sobre o comportamento do profissional
dentro e fora do consultório: nunca dar a
mão ou fazer algum movimento que propicie contato físico, manter neutralidade
a qualquer custo, fingir que não vê se encontra o paciente em público.
Essa última recomendação pode traumatizar o analisando. "Já atendi pessoas
que se sentiram péssimas depois de encontrar em público o psicanalista que os
atendeu por dez anos ou mais", conta
Mara Cristina Souza de Lucia, diretora da
Divisão de Psicologia do Instituto Central
do Hospital das Clínicas (SP).
O ambiente neutro
O que está em
jogo, nesse caso, é a manutenção do chamado "setting" da análise, ou seja, o ambiente, a princípio neutro, onde uma pessoa pode desnudar sua vida por meio das
palavras e do não-dito.
A orientação psicanálitica parece fundamentar o comportamento de Mara,
que afirma que os encontros em público
fazem parte da rotina. "Coloco em prática a boa educação e cumprimento. Mas,
se há um movimento da outra parte no
sentido de uma conversa ou aproximação maior, peço licença e me afasto."
Adepta da psicologia psicodinâmica,
Vivian Schindler acredita que o cliente
pode se sentir intimidado durante um
encontro desses. "Ele pode não querer
encontrar um terapeuta para quem contou intimidades temendo se expor socialmente", diz. A pessoa pode, por exemplo,
estar acompanhado por um amigo ou
parente que não sabe que ela faz terapia e
se sentir obrigada a mentir caso o terapeuta tome a iniciativa de cumprimentá-la.
O risco é o terapeuta levar isso muito a
sério. "Ele pode parecer um maluco se escondendo atrás de colunas para não ser
visto pelo cliente", diz Vivian.
Como a maioria dos colegas que conhece, Vivian opta por respeitar a decisão do cliente. Se ele tomar a iniciativa e
cumprimentar, muito bem. Se não, ok.
"Ele é o comandante da relação", define.
Mínimo de papo
A psicóloga e colunista da Folha Rosely Sayão avalia os encontros fora do consultório como "contatos inesperados e rápidos, nos quais se
deve reagir com naturalidade, equivalente a encontrar um conhecido com quem
não tem intimidade".
Para ela, vale a regra da "fala mínima",
que se limita a um simples cumprimento.
"No ambiente social, o paciente receia
que sua intimidade seja devassada", diz
Sayão.
Para o paciente, uma alternativa para
não ser pego de surpresa em uma situação dessas é conversar com o terapeuta
sobre o assunto nas primeiras sessões,
pois é nessa fase que se estabelecem os
padrões de relacionamento.
Uma coisa é certa, segundo Rosely: o
profissional nunca deve dar o primeiro
passo em uma situação de saia justa como os encontros públicos. Se o cliente
não cumprimentar, "o terapeuta fica na
dele", diz ela. É uma das raras ocasiões
em que a indiferença do outro é perfeitamente compreensível e aceitável.
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