São Paulo, quinta-feira, 22 de junho de 2006
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neurociência

As vantagens de lamber a cria

Que receber carinho é bom todo mundo sabe. Mas, nos últimos anos, a neurociência descobriu por que: o cérebro tem um sistema especializado em detectar carícias -toques que deslizam suavemente sobre a pele- e informar sua ocorrência tanto a regiões que cuidam da sensação de bem-estar do corpo quanto a outras que inibem respostas variadas de estresse.
Claro que um sistema de sensibilidade a carinhos tem seus atrativos para os adultos, mas é nos recém-nascidos que sua importância se faz mais evidente: ele funciona como um poderoso detector de mãe. Depois de nove meses no aconchego do ventre, com casa, comida e calor, o carinho freqüente é a melhor indicação de que há alguém por perto para alimentar, aquecer e proteger o bebê -geralmente a mãe.
Não receber carinho, portanto, é sinal de não ter mãe por perto -e a falta de ativação dos detectores de mãe dispara o alarme com uma resposta generalizada de estresse. Com os hormônios de estresse, corpo e cérebro saem do modo "desenvolvimento", entram no modo "sobrevivência", armazenando reservas, e dele só saem quando o cérebro detectar carinhos que indiquem que alguém começou a se ocupar do bebê. Por isso, bebês prematuros deixados em incubadeiras, com cuidados médicos, alimento, oxigênio e calor, mas separados da mãe, não crescem, têm vários problemas de saúde e demoram a receber alta.
Mas os benefícios do carinho vão além de permitir o desenvolvimento tranqüilo do bebê. Um grupo da Universidade McGill, no Canadá, vem mostrando nos últimos dez anos que ratas devidamente lambidas por suas mães durante a primeira semana de vida tornam-se adultas mais tranqüilas e menos ansiosas do que ratas criadas por mães pouco carinhosas, têm respostas hormonais e comportamentais de estresse mais saudáveis e tornam-se mães carinhosas com a própria prole. Experimentos com mães-ratas adotivas mostraram que o determinante é o comportamento da mãe, biológica ou não: carinho gera carinho.
É um círculo vicioso altamente desejável, onde carinhos se autopropagam. Seja bem tratado e acariciado na infância e, além de gozar de todos os benefícios de uma resposta mais saudável ao estresse quando adulto, você acariciará seus filhos também, oferecendo-lhes os mesmos benefícios. Acaricie seus filhos, portanto, e você já estará cuidando do bem-estar dos seus netos.


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (ed. Vieira & Lent) e de "O Cérebro em Transformação" (ed. Objetiva)
@ - suzanahh@folhasp.com.br


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