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OUTRAS IDEIAS
MICHAEL KEPP - mkepp@terra.com.br
Tristeza, sim, tem fim
Músicas que ampliam a angústia do adeus nos lembram dos améns que dizemos para ficar junto de alguém
QUANDO SOFREM pancadas
que atingem o coração, as
pessoas se perguntam por
que, para corrigir os erros e se
preparar para acertos.
Mas o vazio que sentem é tão profundo que as paralisa.
Provoca autopiedade, não autoanálise; depressão, não determinação. Ironicamente, um mergulho no desespero é um meio de se recuperar.
Eu, quando estava de coração partido, ouvia baladas de
Sinatra sobre a agonia do abandono: confirmavam e ampliavam o que eu já sentia.
Se ele, em "I'm a Fool to Want You"(sou um tolo de te querer), podia implorar a alguém incapaz de amá-lo "Take me back!"(volte pra mim!), por que eu, mero mortal, não poderia ter a mesma fantasia? Deixava Sinatra me arrastar para o fino da fossa, onde podia exaurir minha dor e me erguer de novo.
Ouvir música de autoajuda como "Amanhã é Outro
Dia" me afundaria mais. Precisava me sentir como o personagem sem amor do livro
"Tanto Tempo na Pior que o que Pintar é uma Boa".
Quem se nega a fazer esse mergulho emocional tem medo de sentir. Alguns se protegem da dor do abandono depreciando-a. Comparam quem os deixou a bondes e dizem: outro logo vai passar.
Outros fingem que o amor
é indolor. Basta pensar em
um recém-largado que tenta
ser o mais animado da festa.
Brasileiro também usa
música de fossa para curar o
coração, da desesperadora
"Me Dê Motivo", de Tim
Maia, à dilacerante "Atrás
da Porta", na voz de Elis.
Mas bossa nova melancólica também pode ser trilha
de cena de amor ou animar
baile. Casais mais velhos
dançam agarradinhos ouvindo sucessos como "Tristeza
Não Tem Fim" ou "Eu Sei que
Vou te Amar", que evoca a
dor de cada despedida.
É o mesmo com a canção
de Cole Porter, "Ev'ry Time
We Say Goodbye", que sussurro para a minha mulher
em momentos românticos.
Essas músicas, ampliando a
angústia do adeus, lembram-nos dos améns que dizemos
por estarmos juntos.
"Futuros Amantes", de
Chico Buarque, também investiga por que as músicas
sobre amores que já se foram
criam um clima romântico.
Os vestígios do amor que a
canção menciona (fragmentos de cartas, poemas, mentiras, retratos) vão contagiar
quem quer que os descubra.
A mensagem da música? O
amor é uma força que se autorregenera. Como a fênix mitológica, pode morrer em um
clarão, mas se levanta das
cinzas e nasce mais uma vez.
MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 27 anos no Brasil, é
autor do livro de crônicas "Sonhando com
Sotaque- confissões e desabafos de um
gringo brasileiro" (ed. Record).
site: www.michaelkepp.com.br
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