São Paulo, quinta-feira, 22 de outubro de 2009
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ROSELY SAYÃO

Caso de polícia


[...] OS ADULTOS ESTÃO TOTALMENTE IMPOTENTES PERANTE AS TRAVESSURAS DAS CRIANÇAS

Na semana passada, soubemos, por meio da imprensa, que uma garota de sete anos acabou na delegacia por causa de uma briga na escola que começou, parece, por causa de um doce. As notícias divulgadas afirmam que a garota agrediu educadores e até policiais que foram chamados pela própria escola para ajudar (?) a resolver a situação.
A mãe da menina disse que ela faz tratamento e que a escola está ciente da situação, mas não vou considerar essa informação porque muitas crianças dessa idade ainda podem se descontrolar fisicamente mesmo sem ter problema nenhum.
E é bom lembrar que a criança, quando perde o controle ainda escasso e em desenvolvimento que tem sobre seu corpo, dificilmente consegue parar a crise de birra sem ajuda.
Não estamos sozinhos nessa atitude de colocar a criança como inteiramente responsável por suas atitudes. Na Inglaterra, uma garota de dois anos está sendo acusada por um vizinho de ter cometido atos de vandalismo. A polícia também foi chamada nesse caso e está investigando o fato de a menina ter batido com uma varinha no carro de propriedade do vizinho que a acusou.
Imagine, caro leitor, a cena: uma criança que vive num mundo habitado por fadas, bruxas e crianças com poderes mágicos -vale lembrar que Harry Potter tem origem britânica- decide usar uma varinha para transformar um carro em carruagem, veículo voador, abóbora ou coisa que o valha. E tudo o que consegue é ser empurrada violentamente para o mundo adulto: vai parar na polícia.
No caso brasileiro, tudo o que a menina queria era um doce pelo qual resolveu batalhar com os recursos de que dispunha, mas o que conseguiu foi o mesmo que sua companheira britânica de infância: polícia.
Os adultos estão totalmente impotentes perante as travessuras, estratégias usadas para atender a impulsos e comportamentos desgovernados das crianças. Aliás, não só impotentes como também ausentes.
Não havia um adulto por perto disposto a tirar a "varinha de condão" da mão da menina de dois anos ao perceber que, em vez de mágica, ela estava provocando estrago no carro do vizinho. Não havia, na escola que a garota de sete anos frequenta em Campinas (cidade em que ocorreu a história citada), um adulto capaz de conter fisicamente o descontrole corporal da garota de sete anos.
Muitos dizem que o Estatuto da Criança e do Adolescente é responsável pela omissão dos adultos perante comportamentos inadequados dos mais novos. Será que não sabemos mais intervir para conter uma criança sem usar violência, sem humilhar, sem desrespeitar sua dignidade? Será que não sabemos mais a diferença entre ação firme e ação violenta?
Vamos lembrar que a criança e o velho são os que precisam, em nosso país, da existência de estatutos que os defendam e garantam os seus direitos, o que não é bom sinal. Mas agora parece que, além de não defendermos nem respeitarmos por vontade própria nossas crianças, passamos a sentir medo delas. O que há de vir depois?


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)

roselysayao@uol.com.br

blogdaroselysayao.blog.uol.com.br


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