São Paulo, quinta-feira, 22 de novembro de 2007
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Corrida com bebê

Vencedora da Maratona de Nova York, a britânica Paula Radcliffe treinou grávida e correu até a véspera do parto

GINA KOLATA
DO "NEW YORK TIMES"

P aula Radcliffe, 33, a britânica que detém o recorde mundial da maratona feminina, correu durante toda sua gestação, no ano passado. Ela correu até no dia anterior ao parto de sua filha, Isla, que nasceu saudável em 17 de janeiro. E, 12 dias depois, ela já havia voltado a correr. No início de novembro, venceu a Maratona de Nova York, sua primeira competição em dois anos. A experiência de Paula é rara, diz James Pivarnik, diretor do Laboratório de Pesquisa da Energia Humana, da Universidade Estadual do Michigan, e um dos poucos cientistas a estudar atletas durante e depois da gestação. "Até onde sei, ninguém havia feito o que ela está fazendo", disse.
Estamos falando de uma atleta de competições internacionais, no ápice de sua carreira, que continuou treinando durante a gravidez com um nível de esforço que a maioria das corredoras consideraria desafiador. Pelos primeiros cinco meses da gestação, ela corria duas vezes por dia, 75 minutos pela manhã e entre 30 e 45 minutos à noite. Nos meses finais de gravidez, Paula reduziu o tempo de suas corridas para uma hora, de manhã, e à noite pedalava em uma bicicleta ergométrica. Ela chegou a incluir em seu treinamento, durante o período, corridas repetidas em aclives -prática usada para ganhar resistência e força.
Paula foi acompanhada por sua médica durante todo o processo. "As pessoas olhavam para ela como se fosse maluca", diz Gary Lough, marido da atleta, que estabeleceu seu recorde mundial na Maratona de Londres, em 2003, com tempo de 2h 15min 25s. Mas a grande incógnita será determinar se alguma coisa mudou para Paula agora: ela será a mesma, melhorará ou piorará, nas pistas, depois da gravidez, do parto e de duas lesões por desgaste que sofreu após retomar os treinos?
A resposta é impossível de prever, dizem pesquisadores. Não existem estudos rigorosos sobre os efeitos -positivos ou negativos- da gestação e do parto sobre o desempenho de atletas de elite. E tampouco existem estudos para determinar se exercícios durante a gestação afetam o desempenho atlético pós-parto e, se o fazem, que volume de exercício seria necessário para conseguir esse efeito. Pesquisadores e mulheres não costumam se envolver em estudos nos quais as grávidas teriam de se exercitar com diferentes intensidades, o que poderia colocar os bebês em risco.

[...]Não existem estudos rigorosos sobre os efeitos da gestação e do parto sobre o desempenho de atletas de elite


Tudo que resta como base de comparação são casos individuais e mitos. Um exemplo é o de Ingrid Kristiansen, que venceu a Maratona de Houston, em 1983, cinco meses depois do parto de seu primeiro filho. Isso levou à hipótese de que a gravidez beneficiaria as corredoras de elite devido a mudanças fisiológicas com efeito semelhante ao doping.
O volume do sangue aumenta em cerca de 60% na gestação, o que pode fazer parecer que uma mulher disporia de tanto sangue adicional, após o nascimento do bebê, que isso equivaleria ao uso de doping sangüíneo (elevar o volume de sangue no corpo a fim de transportar mais oxigênio para as células). Mas, apontou Pivarnik, o volume de sangue volta ao normal dentro de quatro ou oito semanas depois do parto. "Se a pergunta envolvesse um possível efeito benéfico do volume de sangue gerado pela gestação em uma corrida disputada duas ou três semanas depois do parto, eu tenderia a acreditar que ele existe", disse Pivarnik. Mas não é essa a situação de Paula.
Ela disse que, quando engravidou, imaginou que efeito isso teria sobre seu desempenho. Amigos disseram que ela se tornaria uma atleta muito melhor, e Paula acreditou. E não queria parar de correr durante a gestação. "Correr é o que a faz feliz", disse Gary. Mas, acrescentou, a médica de Paula estava preocupada.
Gary, Paula e a médica, Elena Demetrescu, desenvolveram um plano. Paula não poderia deixar que seus batimentos cardíacos superassem a marca de 160 por minuto e realizaria exames regulares de ultra-som depois do quinto mês de gestação. Gary disse que o batimento cardíaco máximo de Paula é de 190 batidas por minuto. Quando ela está correndo, seu batimento muitas vezes fica acima de 180 por duas horas consecutivas.
Manter o coração a menos de 160 batidas, disse Paula, queria dizer que correr havia se tornado muito mais fácil. "Eu não estava fazendo meu máximo esforço. Era um ritmo fácil, agradável." As preocupações quanto ao ritmo cardíaco não têm base científica, segundo Mona Shangold, diretora do Centro de Saúde Feminina e Ginecologia Esportiva, na Filadélfia. Os ginecologistas não recomendam monitorar o batimento cardíaco de uma grávida que se exercite, porque os ritmos variam demais em relação à média anterior à gestação, e o mesmo se aplica às respostas cardíacas ao exercício. Shangold recomenda usar a percepção de esforço como guia e aconselha que ele seja sempre moderado. Mas, diz, não há estudos que sustentem essa recomendação.
Exames de ultra-som podem ser úteis, disse Pivarnik. As imagens revelam se o feto está se desenvolvendo normalmente e se o nível de líquido amniótico é apropriado. "Caso o bebê esteja deixando a curva de crescimento, será fácil perceber."
Doze dias depois que Isla nasceu, Paula tentou voltar a correr. "Senti-me um tanto trôpega", conta. "Mas estava feliz por ter meu corpo de volta." Pouco mais tarde ela sofreu uma lesão -uma fratura por esforço no sacro, o osso triangular que fica na base da espinha. Teve de parar de correr por oito semanas e andou de muletas por 15 dias. Em seguida, quando reforçou seu treinamento, ela passou por nova lesão causada por desgaste, uma inflamação na cápsula que envolve um dos ossos do pé. Isso custou mais 12 dias de imobilização. No final, porém, Paula diz que pôde retomar os treinamentos em nível puxado o suficiente para que se preparasse para vencer a Maratona de Nova York. Tradução de PAULO MIGLIACCI



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