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OUTRAS IDEIAS
Dulce Critelli
Paulo e Eliane
[...] UMA VIDA FELIZ É UMA VIDA EM QUE EMPENHAMOS TEMPO, ESFORÇO E TALENTOS PARA CONCRETIZAR ALGO
Conheci Paulo e Eliane
pela TV. Vítimas da
poliomielite, moram
no Hospital das Clínicas desde que tinham cerca de
dois anos -Paulo desde 1969 e
Eliane, de 1975. Médicos e funcionários são a família que
amealharam nesses anos todos.
Ela movimenta só a cabeça.
Ele, braços e mãos, com dificuldade. Nem seus pulmões trabalham sozinhos.
Ambos são doces e alegres.
Há tristeza por suas condições,
mas não há neles lástima, raiva,
inconformismo ou vitimação.
Estão de bem com a vida, que
lhes deu tão pouco. São cheios
de sonhos e de projetos. Paulo é
webdesigner. Eliane pinta com
a boca e seus quadros são expostos pelo mundo.
Difícil não nos sentirmos diminuídos diante de tanta capacidade de vida e de empenho.
Nós, que deixamos de fazer em
nome de limites passageiros:
dinheiro insuficiente, preguiça,
indisposição, tédio, um vício...
Ouço tantos jovens repetirem que não sabem o que querem e outros que reclamam de
ter que fazer alguma coisa,
mesmo que seja estudar. Muitos recusam trabalho, experiências e atividades porque dá
trabalho ou porque não têm garantias de um sucesso espetacular ou porque não vão ganhar
tanto quanto gostariam.
Mas a frase que mais ouço
para justificar o pouco fazer, e
não apenas dos jovens, é: "Só
faço o que me dá prazer".
É certo que a vida na sociedade contemporânea, cuja mola
mestra é o consumo, elege e
alardeia o prazer como único
índice de felicidade, de realização e de liberdade. Mas o prazer
a que a sociedade se refere restringe-se à mera saciedade. Satisfazer desejos (fácil e rapidamente, com a compra de algum
produto), que logo serão substituídos por outros, é a meta.
Não é fazer o que dá prazer
que garante a integridade pessoal nem a autonomia. Muito
menos a liberdade. O prazer
passa logo, como também os
desejos variados e superficiais
que sentimos. Muitas vezes, o
prazer sentido está ligado só a
aspirações sem raízes, a interesses vagabundos.
A vida abastecida facilmente
deixa a gente mole, inerte. Somos, hoje, pessoas cheias de caprichos, mas com a vontade enfraquecida. Pessoas sem poder.
Uma vida feliz é uma vida em
que empenhamos tempo, esforço, habilidades e talentos
para a concretização de algo,
nem sempre do que mais cobiçávamos ou dos nossos sonhos.
Por vezes, trata-se de fazer o
que é possível ou necessário.
É a realização de coisas e de
projetos que nos faz sentir inteiros, capazes, poderosos. O
sentimento de autorrealização
não vem dos desejos atendidos,
mas das obras acabadas -e das
que temos em andamento.
Quando ficamos à espera do
que cremos que nos dará prazer, o comum é atolarmos numa paralisia. Se insistimos nessa expectativa, perdemos a capacidade de identificarmos, de
fato, o que queremos e mergulhamos num tédio sem saída.
Felicidade, autonomia, integridade só vêm como resultado
de nossas ações. E só nos sentimos livres quando superamos
nossas limitações. Paulo e Eliana que o digam.
DULCE CRITELLI , terapeuta existencial e
professora de filosofia da PUC-SP, é autora de
"Educação e Dominação Cultural" e "Analítica
de Sentido" e coordenadora do Existentia -
Centro de Orientação e Estudos da Condição
Humana
dulcecritelli@existentia.com.br
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