São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 2008
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AMBIENTE

oásis em miniatura

Estudo analisa a influência de uma árvore na sensação térmica; conforto é proporcionado principalmente pelo aumento da umidade relativa do ar

Patricia Stavis/Folha Imagem
Canteiro central da avenida Sumaré, em São Paulo

AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

À medida que os dias quentes de verão se aproximam, praças e parques reforçam seu papel de oásis urbanos. Basta visitar um desses locais para constatar: o calor diminui e a sensação é mais agradável. Mas uma nova pesquisa mostrou que não é apenas em grandes áreas verdes que esse benefício é possível: cada árvore constitui um microoásis. E, sozinha, consegue melhorar o conforto térmico ao seu redor.
Quem apostou que isso se deve à sombra se enganou. O que a arquiteta Loyde Abreu descobriu em sua pesquisa de mestrado na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) é que a principal causa desse bem-estar é o aumento da umidade relativa do ar.
Tome-se como exemplo o jambolão, que chega a perder 101 litros de água por dia (uma lavadora de roupas com capacidade para cinco quilos gasta 135 litros). A 10 m dessa árvore, a umidade média é de 68%, segundo Abreu. A 50 m de distância, esse índice cai para 57%. A OMS (Organização Mundial da Saúde) considera preocupantes os índices inferiores a 30%, pois trazem riscos à saúde.
São essas gotículas que envolvem a planta que proporcionam o conforto -mesmo que a pessoa esteja sob o sol. A lógica é a mesma de um borrifo de água: a temperatura não muda, mas a sensação é de frescor.
Para a arquiteta Pérola Felipette Brocaneli, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o estudo comprova cientificamente algo que, até o momento, era alvo apenas de estimativas. "É um dado excelente, porque condiz com o que acredito ser necessário para o sistema de resfriamento da cidade. A maior parte das pessoas não tem esse conhecimento sobre a importância que uma única árvore tem."
Além de aumentar a umidade do entorno, a vegetação também ajuda na absorção de parte da radiação que vem do Sol -ainda no caso do jambolão, a absorção promovida pela copa da árvore chega a 89%.
Os galhos e as folhas também atenuam a velocidade do vento -mais um dado positivo para o conforto térmico: o vento forte, além de incomodar a pele, espalha a umidade promovida pela árvore, fazendo com que ela não seja mais significativa, de acordo com Brocaneli.
"Isso pode ter pouca importância em espaços livres, mas pode ser um elemento muito importante em um pátio, por exemplo", diz Abreu.
Os efeitos dessa proteção verde já foram alvo de diversos estudos. Um deles, realizado no Golfo Pérsico, mostrou que a presença de vegetação reduzia as temperaturas internas das residências e levava a uma queda de 65% no consumo de energia gasta com ar-condicionado.
Em Campinas, outro estudo mostrou que, nos dias mais quentes, a colocação de um vaso com árvore diante de uma escola diminuía o desconforto térmico em 98,1% dos casos.

Conforto
Mas como medir esse conforto? Para responder a essa pergunta, Loyde Abreu utilizou um método desenvolvido, também na Unicamp, pela arquiteta Mayra de Mattos Moreno.
Moreno entrevistou cerca de 90 pessoas em um bairro pouco arborizado de Campinas. Cada participante deveria escolher, dentre cinco cartões, a imagem que mais se aproximava de sua sensação térmica, indo do muito frio ao muito quente.
Enquanto isso, eram registrados dados como a temperatura e a umidade do ar, a velocidade do vento e as características do entorno -presença de prédios, árvores e revestimento do piso (o asfalto, por exemplo, emana mais calor do que a terra). Também eram consideradas as roupas do entrevistado, incluindo textura e cor.
Ao relacionar as respostas subjetivas dos participantes com os dados objetivos dos equipamentos, Moreno viu que era possível identificar em que situação a maioria das pessoas sentia conforto térmico.
E, ao tentar determinar que situação era essa, ela percebeu que, além da temperatura, da velocidade do vento etc., um fator importante era a proximidade de árvores.
Na prática, isso significa que quem estava rodeado por brita e cimento sentia desconforto térmico. Mas, se houvesse uma árvore com copa rala por perto, a sensação era tolerável. E, quando a árvore era frondosa, o relato era de conforto. A associação, ressalta Moreno, era física, e não psicológica.
Para avaliar como as árvores influenciavam no conforto térmico, Loyde Abreu também registrou dados como temperatura, umidade relativa do ar e velocidade do vento. Esses registros foram então comparados com os gráficos de zona de conforto elaborados por Moreno. Seus dados simulam a sensação de uma pessoa fazendo caminhada com roupas leves.

Espécies
Abreu avaliou quatro árvores isoladas: um jambolão, uma mangueira, um jacarandá e um ipê -nas versões com folhas, sem folhas e com flores.
As medições mostraram por quanto tempo cada uma delas proporcionou conforto térmico ao longo de um dia. A 10 m de distância, ganhou a mangueira -com quatro horas.
O ipê com folhas foi a opção que ofereceu conforto térmico por mais tempo (cinco horas) tanto a 25 m quanto a 50 m. Sem as folhas, o ipê promoveu conforto só por duas horas.
Jambolão e jacarandá tiveram o mesmo resultado: duas horas de conforto térmico por dia, a uma distância de 10 m ou 25 m, e uma hora, a 50 m.
Segundo Brocaneli, o problema é que a mangueira, por exemplo, não é recomendada para o ambiente urbano, por ter frutos grandes. "Já o ipê tem um tamanho excelente."

Em grupo
Abreu também avaliou um grupo de chuvas-de-ouro, com cinco árvores. Essa foi a opção que ofereceu mais conforto térmico à distância -10 horas por dia, a 50 m de distância.
Quanto maior o número de árvores, maior o efeito. E, nessa conta, um mais um não são dois -o efeito é potencializado.
Uma árvore sozinha, embora melhore a sensação térmica, não diminui a temperatura. Já um parque consegue fazer isso. Essa relação fica clara nos mapas do Atlas Ambiental de São Paulo (veja nas págs. 6 e 7).
Os mapas mostram que as regiões mais frias de São Paulo são as mais arborizadas, como Interlagos. "A Serra da Canteira tem uma amenização de 5ºC a 6ºC em comparação à região da República", afirma Patricia Sepe, geóloga da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da Prefeitura de São Paulo. Na semana passada, diz, em um dos dias mais quentes do ano, a maior temperatura registrada foi de 36,8ºC, em São Mateus -o bairro, na zona leste, é um dos mais pobres da cidade. Pobre, também, de árvores.


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