São Paulo, quinta-feira, 23 de novembro de 2000
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s.o.s. família
A adolescente que "podia tudo"

rosely sayão

Há um tempo participei de uma conversa com um grupo de garotas, todas com 15 anos, mais ou menos. Quer dizer, participei mais como ouvinte, pois como um adulto consegue ter voz num grupo desses? Mas um trecho da conversa me chamou a atenção e, por isso mesmo, ficou gravado em minha memória.
Uma das garotas começou, em determinado momento, a desfiar uma lista de reclamações contra os pais: "É porque eles não me deixam isso, não permitem que eu faça aquilo, não me dão dinheiro pra ir a tal lugar, não concordam que eu use tal roupa". E assim foi aumentando a lista e puxando a solidariedade das outras. De todas as outras, menos de uma delas.
Essa, depois de ouvir as amigas, declarou: "Meus pais não me proíbem de nada". Pois essa frase foi o suficiente para deixar todas as outras excitadas, que passaram a arguir a amiga de todos os modos: "Então eles deixam você ir a tal lugar?!"; "Você pode namorar?!!"; "Você pode viajar de carona?!!". A resposta da garota era sempre a mesma: "Para os meus pais, isso é indiferente".
Pois é. Muitos pais de filhos adolescentes cometeram e ainda cometem esse engano: o de achar que o filho dessa idade pode ter a responsabilidade de decidir sozinho como viver: onde ir, até que horas ficar, o que fazer e o que não fazer. E, em geral, esses pais dizem que confiam nos filhos e na educação que deram a eles até então.
Acontece que não é de um dia para o outro que o filho consegue deixar a situação confortável, mas incômoda na adolescência, de ter toda a vida sob o controle e a responsabilidade dos pais e passa a se virar sozinho.
Claro que eles querem crescer, que eles devem crescer, e eles têm pressa, mas isso supõe um tempo de adaptação, de aprendizado. Um aprendizado diferente do que ocorreu na infância.
Tudo o que os pais ensinaram até então é colocado em xeque: o modo de viver, os valores, os princípios, a filosofia de vida. Faz parte do crescimento essa virada, pois os filhos precisam encontrar o próprio modo de viver.
E, enquanto eles aprendem, precisam da presença dos pais, e principalmente do amor deles, que aparece na forma dos cuidados que os pais têm com os filhos, por exemplo.
Eles precisam, para aprender a viver sozinhos, saber que não estão sozinhos, que continuam sendo amados, até quando começam a divergir dos pais. E foi por isso mesmo que a resposta da garota que tudo podia me chamou a atenção. Toda a liberdade que os pais davam a ela cheirava a indiferença, a abandono.
O contrário do amor é o ódio? Imagina! Os conflitos, as brigas e discussões quase inevitáveis entre pais e filhos adolescentes são carregadas de raiva justamente por conterem muito amor. E podem ser salutares, desde que os pais mantenham seu lugar e sua autoridade, de modo a permitir que o filho expresse seu desagrado e sua discordância de forma controlada.
O oposto do amor é, então, a indiferença. E por mais que os pais acreditem que permitir que o jovem filho tenha autonomia imediata na adolescência seja um ato libertador, na verdade essa atitude é percebida pelo filho como falta de amor, como indiferença. E isso pode não colaborar em nada para o crescimento do filho...
Os pais não devem ter receio de marcar presença na vida do filho adolescente: caso o modo de os pais encararem a vida não faça sentido algum para o filho, ele encontrará um jeito de superar isso. Muito mais difícil é superar o sentimento de indiferença dos pais.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo É Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br


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