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Compulsão transforma prazer em obrigação
KARINA KLINGER - DA REPORTAGEM LOCAL
GABRIELA SCHEINBERG - FREE-LANCE PARA A FOLHA
Praticar atividades que dão prazer é saudável. Mas a situação muda
quando a busca de prazer se torna tão imperativa que a pessoa perde o
controle. Passa dias à frente do computador, faz sexo com estranhos, joga
até não poder mais, come ou compra tudo o que vê pela frente, tira o pó dos
móveis várias vezes por dia. Falsamente tachadas como excêntricas ou irresponsáveis, pessoas que agem dessa forma são, na verdade, portadoras do que os psiquiatras chamam de transtornos da impulsividade.No início, essas
pessoas são regidas pelo prazer. Com o
tempo, porém, o que era apenas prazeroso torna-se uma obrigação. "A pessoa fica condicionada a buscar aquilo. É algo
irracional", explica o psiquiatra Arthur
Kaufman, do Projeto de Atendimento ao
Obeso do Hospital das Clínicas (HC), em
São Paulo. "A pessoa sente-se obrigada a
realizar a compulsão para esquecer seus
problemas", afirma Adriano Segal, coordenador do laboratório de obesidade do
Ambulim (Ambulatório de Bulimia e
Transtornos Alimentares), do Instituto
de Psiquiatria do HC.
O transtorno pode afetar qualquer um.
O balconista, a professora, o presidente
de uma empresa. Geralmente, são pessoas perfeccionistas, severas e rígidas.
Mas seus colegas as consideram criativas
e dinâmicas. Por isso muitas se destacam
e são líderes em seu meio. Possuem enorme poder de persuasão e processam informações com uma rapidez invejável.
Esse perfil é resultado de uma pesquisa
inédita realizada com jogadores patológicos no HC, mas pode descrever pessoas
com outras compulsões. "Essas pessoas
são dotadas de um Q. I. acima do normal,
que é de 90 a 110. Chegam a ultrapassar
120 pontos", afirma o neuropsicólogo
Daniel Fuentes, autor da pesquisa. "Mas
essa inteligência não é aplicada."
Pessoas com compulsões patológicas
são dotadas de uma personalidade cheia
de traços positivos, mas não conseguem
controlar seus impulsos. "Eles pecam somente na hora de tomar uma decisão.
São precipitados e não conseguem priorizar nem planejar nada", diz Fuentes.
Paulo (nome fictício), 53, perdeu todo o
seu patrimônio em dois anos de jogatina.
"Comecei a frequentar o bingo quando
me aposentei, para passar o tempo. Era
lazer", conta. Mas logo a diversão se tornou uma necessidade. O dinheiro acabou, e Paulo recorreu a empréstimos para financiar o hábito, que incluía qualquer atividade que envolvesse apostas
em dinheiro, de loterias a jogos de carta.
Ele se separou da mulher, e os filhos se
distanciaram. "Quando cheguei ao fundo
do poço, cheio de dívidas e com a moral
lá embaixo, procurei ajuda." Paulo ingressou nos Jogadores Anônimos. Nos
primeiros seis meses, teve duas recaídas.
Uma conversa com seu filho colocou um
ponto final no problema. "Ele disse que
não tinha condições de conviver comigo.
Desde então, nunca mais joguei."
O que leva uma pessoa a cruzar a linha
que separa o comportamento não-compulsivo do patológico é uma dúvida que
nem os médicos sabem responder. Segundo Fuentes, a doença está relacionada
às funções da região pré-frontal do cérebro. Segal acredita que o transtorno é
consequência de um desequilíbrio neuroquímico.
No futuro, talvez a ciência consiga descobrir a causa do distúrbio de M. S., que
passou 40 de seus 70 anos comendo compulsivamente. "Estava bem pessoal e
profissionalmente. Não havia uma explicação", afirma. Durante quatro décadas,
ela procurou médicos e psicólogos para
se tratar. Mas a compulsão sempre voltava. "Cheguei a pesar 102 quilos", diz. Foi
internada três vezes, todas por tentativas
radicais de emagrecer. A compulsão só
foi controlada com a ajuda dos Comedores Compulsivos Anônimos, grupo do
qual hoje ela é voluntária. "Estou curada
há dez anos, um mês e três dias."
Há especialistas que acreditam que fatores sociais possam estar associados à
compulsão. "A sociedade valoriza mais a
quantidade do que a qualidade, o que pode facilitar o aparecimento do comportamento compulsivo", diz Dartiu Xavier da
Silveira, diretor do Proad (Programa de
Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp).
Para o psicólogo Elias Korn, do Proad,
o descontrole é uma consequência da
sensação de aprisionamento do homem,
que precisa seguir regras rígidas no trabalho e em casa. "A compulsão é uma
tentativa de recuperar a autonomia", diz.
Isso poderia explicar, por exemplo, por
que J. H, 20, prefere passar seu dia à frente do computador em vez de aproveitar
as praias de Salvador, onde mora. "Sinto
uma falta tremenda do computador.
Convivo melhor com ele", conta. Ele passa mais de 12 horas por dia diante da tela.
Todos os casos de compulsão, até os
mais graves, são tratáveis, geralmente
por meio de psicoterapia. "Receitamos
medicamentos somente quando a compulsão está associada a uma depressão",
explica Fuentes.
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