São Paulo, quinta-feira, 24 de janeiro de 2002
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coluna social

Moradores viram carteiros na Rocinha

ELKA ANDRELLO E ADRIANA DA GLÓRIA - FREE-LANCE PARA A FOLHA

A Rocinha ficou famosa como a maior favela do Rio de Janeiro. Foi promovida a bairro, mas seus moradores continuam a ter status de favelados, vivendo em um labirinto de ruas sem nome e barracos sem número. Se nem o básico -esgoto e água encanada- chega até todos, receber cartas em casa então é um luxo. Os 180 mil habitantes têm de se virar para receber documentos, cartas e talões de cheque.
Moradora orgulhosa do bairro, Elaine da Silva criou o Carteiro Amigo que, desde novembro de 2000, garante a entrega da correspondência aos 4.000 moradores cadastrados. Cada casa paga R$ 3 por mês pelo serviço. O grupo possui cerca de 15 entregadores, todos moradores do lugar, que ganham R$ 200.

   

Folha - O carteiro não entrega correspondência em todos os lugares?
Elaine da Silva
- Não. Olha só esse endereço: "beco 2/12 80000002, rua 2, marcação na parede". É impossível para o carteiro encontrar. A gente já está acostumada, as pessoas que trabalham no Carteiro Amigo são moradores da Rocinha, conhecem a comunidade e podem andar em todos os lugares.

Folha - Como surgiu a idéia de criar o Carteiro Amigo?
Elaine -
Eu, meu marido, Carlos Pedro da Silva, 32, e o meu primo Silas da Silva, 32, fizemos o censo 2000 para o IBGE aqui na Rocinha e constatamos que várias casas tinham mesmo endereço e número e que muita gente não sabe dizer o próprio endereço. A maioria nunca recebe a correspondência em casa: apanha nas biroscas (bares) ou na casa de parentes. Além do risco de molhar ou extraviar, qualquer um pode pegar as cartas.

Folha - Como as pessoas reagem ao receber cartas em casa pela primeira vez?
Carlos Pedro da Silva -
A primeira que entregamos foi uma carta de aposentadoria do INSS que um homem estava esperando há anos. Ele chorou. Para uma mulher, entregamos uma carta avisando que ela tinha R$ 1.800 para receber. Ela nem esperava, o valor acumulou porque não tinham como avisá-la. Até a Telemar e a Caixa Econômica procuram a gente quando não conseguem achar alguém.

Folha - Qual é a sua meta?
Elaine -
Atingir o máximo possível de pessoas para elas serem respeitadas. O endereço não é apenas um endereço, ele identifica você como um cidadão. Se a pessoa tem um endereço, ela existe e passa a cobrar do governo coisas como saneamento básico e transporte. Hoje, a visão do morador da Rocinha não é mais a de um favelado pobre e burro, mas de uma pessoa que quer estudar, trabalhar e competir pela inteligência.


Informações pelo tel. 0/xx/21/3323-3023


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