São Paulo, quinta-feira, 24 de maio de 2007
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alimentação

Desafio vegetariano

Componentes de origem animal podem estar em sucos, doces e até em produtos à base de soja; Sociedade Vegetariana Brasileira desenvolve selo para identificar os totalmente "verdes"

Danilo Verpa/Folha Imagem
Tatiana Ribeiro Alves, 28, que segue dieta vegana (sem qualquer derivado animal)


AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

Vegetariano não come carne. A definição é muito clara e direta. Mas, em tempos de alimentos cada vez mais industrializados, ela precisa de um upgrade. Afinal, uma olhada mais atenta no rótulo de produtos como sorvetes, sucos e mesmo leite de soja pode mostrar que eles não são tão "verdes" quanto aparentam: no processo de fabricação ou na composição, contam com aditivos de origem animal. Um exemplo inusitado é a cochonilha -um corante feito a partir de besouros. Originário do México e considerado uma praga, o besourinho possui um pigmento capaz de dar um tom vermelho aos produtos. Por isso, a cochonilha costuma ser adicionada a sucos, como o de uva, e bebidas e biscoitos com sabor de morango, entre outros.
Identificar o aditivo nem sempre é simples: além de cochonilha, ele pode aparecer como carmin, cochineal e colorizante E120, afirma a socióloga Marly Wincler, presidente da SVB (Sociedade Vegetariana Brasileira). "Muitos produtos têm escondido na 'caixa preta' dos rótulos componentes de origem animal, por isso os vegetarianos e veganos são infatigáveis leitores de rótulos."
Para facilitar esse trabalho, a SVB decidiu criar um "selo verde", voltado a produtos que não utilizem nenhum componente de origem animal. A idéia é que ele sirva de parâmetro para os vegetarianos, assim como o selo desenvolvido pela Anad (Associação Nacional de Assistência ao Diabético) representa, para quem tem a doença, a garantia de que determinado produto está adequado a suas restrições alimentares. Segundo Wincler, a SVB está na fase final de estabelecimento dos critérios da certificação e da criação do design do selo, e algumas empresas já manifestaram interesse em contar com a certificação.
Enquanto isso, algumas empresas buscam por conta própria se aproximar das exigências desse tipo de consumidor. Um exemplo é a Olvebra, especializada em produtos à base de soja, que contratou a consultoria NutriVeg para analisar se algum de seus produtos leva componentes animais.
Em outros casos, são os consumidores que pressionam as empresas por mudanças. Um caso recente ocorreu no Reino Unido, quando a fabricante de chocolates Masterfoods divulgou que passaria a usar substâncias de origem animal. A Vegetarian Society (www.veg soc.org) organizou uma campanha e, após um bombardeio de e-mails e telefonemas, a empresa voltou atrás.
Outra forma que a entidade encontrou para pressionar as empresas é a realização do concurso anual Imperfect World Award (prêmio do mundo imperfeito), que indica os produtos que os vegetarianos mais gostariam que não utilizassem componentes animais. Na última edição do prêmio, divulgada em março, a cerveja Guinness ficou em primeiro lugar. Isso devido ao uso de um colágeno obtido de peixes na fabricação da bebida -a substância deixa o líqüido menos turvo.
Mas a batalha dos vegetarianos também esbarra em alguns mitos. Entre os que consomem leite, por exemplo, existe a preocupação de evitar alguns tipos de queijo, que seriam feitos a partir da quimosina. Também conhecida como renina, ela é uma enzima que seria retirada do estômago dos bezerros para coalhar o leite.
Mas, segundo o engenheiro de alimentos Luiz Eduardo de Carvalho, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), esse é um método de fabricação muito antigo. Atualmente, afirma, a fabricação de queijos utiliza bactérias transgênicas, criadas para funcionar como "usinas" produtoras de quimosina. "Também as enzimas colocadas na farinha de panificação são produzidas assim", afirma Carvalho.

Saúde
De acordo com o médico Eric Slywitch, especializado em nutrição vegetariana e, ele mesmo, adepto da dieta vegana, essa preocupação com o uso ou não de aditivos de origem animal costuma estar ligada ao motivo pelo qual a pessoa se tornou vegetariana. Quem adotou esse tipo de dieta por acreditar ser melhor para a saúde, por exemplo, tende a evitar qualquer tipo de corante, conservante etc. -sejam eles de origem animal ou vegetal.
Mas também há quem siga os preceitos éticos do vegetarianismo e deixe de lado os aspectos nutricionais da dieta. Assim, nada de origem de animal é permitido, mas qualquer alimento rico em gorduras, sódio ou açúcar é consumido sem preocupação. O consumo excessivo de doces e gorduras é, aliás, um dos problemas mais comuns em vegetarianos, diz Slywitch. "A dieta saudável vegetariana é baseada nos grãos -principalmente os integrais-, verduras, legumes e frutas."
Em alguns casos, a substituição de componentes de origem animal por outros de origem vegetal pode levar a uma perda nutritiva do alimento. A gelatina é um exemplo: feita a partir de ossos, tendões e peles de animais, ela é muito adotada em balas, recheios de confeitos e outros doces. Versões "verdes" desses produtos poderiam substitui-la por ágar-ágar -um gel obtido a partir de algas.
O problema é que a segunda opção não tem as mesmas propriedades nutricionais da gelatina, afirma Flávio Luís Schmidt, professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). "A gelatina é muito boa nutricionalmente, com vários aminoácidos indicados para a nossa dieta. Embora não se compare a um bife ou a um ovo, é também uma boa fonte de proteína", afirma. Já o ágar-ágar é uma fibra -como tal, pode até ajudar no processo digestivo, mas Schmidt ressalta que seu consumo por meio de balas e doces seria insuficiente para ter qualquer impacto desse tipo.
Já o corante feito a partir de cochonilhas pode ser substituído tanto por opções artificiais como por alternativas naturais, como o urucum, a casca de uva e a beterraba. Mas, segundo Carvalho, da UFRJ, o uso de vegetais na obtenção de corantes seria mais caro e menos eficiente, pois o alimento perderia a cor facilmente.
O mais indicado, segundo o nutricionista George Guimarães, da NutriVeg, é consumir alimentos pouco processados. Quanto mais industrializado for o produto, maior a chance de ele ter substâncias que podem ser obtidas de animais. E quanto mais natural o alimento, mais saudável ele é -dica que, afinal, vale para quem segue qualquer tipo de regime alimentar.


Colaborou MARIANA BERGEL

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