São Paulo, quinta-feira, 24 de julho de 2008
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HISTÓRIA

Cem anos de 42.195

A distância oficial da maratona, estabelecida na Olimpíada de Londres, em 1908, foi definida para que a chegada dos corredores ocorresse exatamente sob os olhos do rei Eduardo 7º

RODOLFO LUCENA
EDITOR DE INFORMÁTICA


[...] A DISTÂNCIA DA MARATONA FOI CONFIRMADA EM 1921, PELA FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DE ASSOCIAÇÕES DE ATLETISMO, FUNDADA EM BERLIM EM 1912

Tonto, completamente exausto, mal se agüentando nas pernas, Dorando Pietri entra no estádio olímpico de Londres. Num arremedo de corrida, ainda erra a direção, perde o caminho e é recolocado na trilha por auxiliares da direção da prova. Cai -e um médico o levanta. Tropeça -e recebe o apoio de outros. Amparado, segue, como bêbado, parecendo sempre prestes a desabar.
O corredor italiano rompe, enfim, a fita em frente ao camarote do rei da Inglaterra. E se torna o primeiro homem a completar, em Jogos Olímpicos, a distância de 42.195 metros da maratona, prova épica inspirada no heroísmo de um soldado da Grécia antiga, que morreu depois de correr de Maratona a Atenas para anunciar a vitória de seus patrícios contra os invasores persas.
No dia 24 de julho de 1908, há exatos cem anos, a morte de Pietri chegou a ser anunciada ao mundo por uma agência de notícias britânica. Era engano.
Na primeira Olimpíada moderna, em 1896, na Grécia, a maratona teve aproximadamente 40 km, distância entre os portões de Maratona e o estádio olímpico de Atenas.
Mas não era uma norma: em 1897, na primeira edição da maratona mais antiga do mundo, em Boston, nos Estados Unidos, os corredores enfrentaram pouco mais de 36,5 km. Nos Jogos seguintes, a distância ficou em torno de 40 km ou 25 milhas, e nada indicava que seria diferente na Olimpíada de 1908, marcada para Roma.
Dois anos antes, porém, o Vesúvio fez ouvir sua voz poderosa. A fúria do vulcão matou mais de cem pessoas, levou a destruição para a região napolitana e obrigou Roma a desistir de hospedar os Jogos.
Londres tomou para si a tarefa. E lá se ia a maratona para a terra da rainha, para ser disputada na costumeira distância de 25 milhas -unidade de medida usada na Grã-Bretanha. Mas o ponto de largada, a 40 km do estádio, foi mudado, para que a família real pudesse assistir confortavelmente à partida da corrida -a maratona ganhou assim uma milha extra.
E os anfitriões queriam que o heróico vencedor cruzasse a linha de chegada exatamente sob o olhar do rei Eduardo 7º; em vez da volta completa na pista de 536 metros, a corrida pararia onde queria Sua Majestade. No total, 26 milhas e 385 jardas -42.195 metros.
É chão, hoje ou há cem anos. Foi o que descobriram os 55 atletas que partiram, às 14h33, dos jardins junto ao castelo de Windsor em direção ao estádio. Os atletas ingleses saem em ritmo forte, mas quem se destaca é o índio canadense Tom Longboat, que parece decidido a ser o campeão.
O percurso era duro, ondulado, e Longboat cai para a caminhada pouco depois do km 27. Acaba ultrapassado por Pietri, que segue firme e encosta no líder, o sul-africano Charles Hefferon. Festeja a ultrapassagem com goles de bebida que lhe dá o irmão, Ulpiano, que acompanhava a prova.
Mas o esforço é demasiado. O italiano cai pouco antes de chegar ao estádio. É atendido pelo médico da corrida, Michael Burger, e se recupera rapidamente. Levado pelo incentivo do público, segue a carreira, chega à pista final.
O estádio emocionado assiste a um "horrível, mas fascinante, combate entre a mente decidida e o corpo completamente exaurido", como descreveu sir Arthur Conan Doyle, o aclamado criador do detetive Sherlock Holmes, que então cobria o evento para o jornal londrino "Daily Mail". Pietri é declarado vencedor, campeão olímpico.
Mas a delegação americana reclama, pois o italiano fora auxiliado para conseguir cruzar a linha. Os cartolas se reúnem e acabam acatando o protesto: Dorando é desclassificado, e John Hayes, que entrara no estádio bem depois, herda o ouro.
Mas não a glória. "O desempenho do italiano jamais será apagado dos registros do esporte", escreveu Conan Doyle, que criou um fundo para premiar o vencedor derrotado.
E a rainha Alexandra lhe presenteou com uma taça, homenagem ao espírito guerreiro daquele italiano de 1,69 m, que tinha descoberto a corrida vendo uma prova que passou pela confeitaria onde trabalhava, em Carpi, terra que hoje também lhe rende homenagem.


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