São Paulo, quinta-feira, 24 de agosto de 2006
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S.O.S Família

Rosely Sayão

Antes da vida adulta

Ao ler uma reportagem sobre o alto índice de estresse entre jovens de 14 a 18 anos, deparei-me com o depoimento surpreendente de um garoto de 15 anos que se trata por causa desse problema. O adolescente já tem planos sólidos para sua vida: daqui a três anos, quer prestar vestibular para o curso de economia e, como não pretende perder um ano com o cursinho, transferiu-se para uma escola mais "forte". E ele sonha muito mais longe: antes de se casar e de ter filhos, ainda pretende fazer pós-graduação.
O problema é que a cobrança excessiva das responsabilidades que assumiu o afastou da namorada e das atividades que pratica por prazer. E ele ainda sofre de insônia e de dores de cabeça freqüentes e tem dificuldade para se concentrar.
Crianças e jovens têm sido bastante pressionados por seus pais. Não é novidade a agenda cheia que eles cumprem, desde bem pequenos. Além da escola, freqüentam atividades extracurriculares dos mais variados tipos: esportes, línguas e artes são as mais concorridas, mas há também tratamentos, acompanhamentos pedagógicos, aulas particulares. Dá-lhes formação para múltiplas habilidades e competências! Tudo isso porque os pais querem garantir um bom futuro para eles.
Mas os pais não poupam nos sonhos para os filhos. Em todas as atividades, eles precisam disputar as melhores posições. Competir, por sinal, é o que as crianças e os adolescentes sempre fizeram. As brincadeiras em grupo nas ruas tinham essa marca. Mas as regras podiam ser negociadas, e a tensão e a frustração pelas derrotas podiam ser minimizadas pela convivência com os colegas.
Hoje, os mais novos disputam para valer. Seus oponentes -em geral, colegas ou amigos- perdem logo esse valor: passam a ser rivais. E há também o oponente que nem humano é. O videogame e os jogos de computador fazem sucesso, mas é preciso lembrar que eles são programados muito mais para ganhar do que para perder. Com colegas ou com máquinas, os garotos estão mais interessados no ranking e nas medalhas do que na interação e na diversão que poderiam ter.
E, antes que se pense que considero a competição sempre nociva, um esclarecimento: a competição é saudável porque incentiva a superação dos próprios limites e encoraja a busca do aprimoramento, além de permitir que os mais novos aprendam a respeitar as normas de convivência, a negociar e a manejar recursos para lidar com as situações difíceis.
O mal da competição está no modo como ela se dá hoje: só há lugar para os vencedores, e, para ganhar, vale tudo, inclusive burlar normas e regras. Esse é o princípio do uso de drogas nos esportes, por sinal.
Crianças e jovens são exigidos em demasia pelos pais em nome do futuro. Mas e o presente deles? Um estresse! Hoje, a expectativa de vida é bem alta. Consideremos, então, um ciclo de vida. A vida adulta ocorre após os 18 anos, certo? Até lá, a vida se divide em três etapas: a primeira e a segunda infâncias e a adolescência.
Cada uma dessas etapas pode ser vivida, portanto, apenas por cerca de seis anos. A criança pequena só pode ser assim por seis anos, menos da décima parte do que, provavelmente, viverá. Depois, tem mais seis para continuar a ser criança um pouco mais crescida e, finalmente, mais seis para desfrutar da adolescência. Depois disso, é entrar na vida com toda a responsabilidade que ser adulto exige. Em geral, as pessoas terão em torno de 50 anos para viver nessa condição. Então, por que roubar dos mais novos esses 18 primeiros anos de vida, tão curtos e preciosos?


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)

roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br


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