São Paulo, terça-feira, 25 de janeiro de 2011
Texto Anterior | Índice | Comunicar Erros

ROSELY SAYÃO

A criança tem o direito de viver a infância sem ter de arcar com responsabilidades que são nossas

A imposição das escolhas

VOCÊ TEM filhos com menos de seis anos, leitor? Que tal garantir a eles a oportunidade de viver como crianças pequenas que de fato são? Um bom começo é deixar de dar tanta importância à preparação delas para um futuro exitoso.
Pois é: hoje, as crianças perdem esse período precioso da vida, e tão breve, porque decidimos que, quanto mais cedo elas forem introduzidas ao manuseio das ferramentas do mundo adulto, maiores serão suas chances quando tornarem-se adultas.
Essa postura, cheia de boas intenções, é um componente importante no processo em curso que promove o desaparecimento da infância no mundo contemporâneo. E você sabe, leitor, o que significa ser criança sem ter a chance de viver a infância? Não. Ninguém sabe ao certo como é a vida das crianças neste mundo. Entretanto, temos algumas pistas a esse respeito. Ansiedade, insônia, depressão, inquietação constante, medo, hipertensão, obesidade, doenças do aparelho digestivo etc., males que antes eram exclusividade do mundo adulto, hoje são frequentes na infância, inclusive na primeira parte dela.
Pressa, pressão, compromissos, deveres. Nada disso combina com os primeiros anos de vida. O que combina? Tempo, material e oportunidade para brincar, por exemplo. Ou para nada fazer: só olhar, observar, participar da vida de um modo muito particular.
Crianças dessa idade podem aprender informática, línguas, esportes, letras e números? Podem. Precisam disso? Não precisam. Pelo menos não do modo como temos feito. Criança com até seis anos aprende brincando. Mas ela não deve brincar para aprender determinado conteúdo e sim aprender algo, por acaso, brincando apenas. Simples assim.
Outro caminho para deixar a criança viver a infância a que tem o direito é não passar a ela as responsabilidades que são nossas. Não se espante, leitor: fazemos isso diariamente. Escolher a roupa que vai vestir, o brinquedo que quer ganhar, o calçado que quer usar, o horário em que vai se recolher para descansar, qual escola vai frequentar, se vai atender a imposição familiar ou se vai desobedecer... Quantas escolhas permitimos que elas façam e que deveriam ser só nossas! Vamos convir: escolher algo é um processo complexo até para um adulto, não é verdade? Quem não pena para escolher se muda de emprego ou não, se casa ou permanece solteiro, se rompe um relacionamento amoroso desgastado ou deixa a coisa rolar, se usa esta ou aquela roupa em uma ocasião especial, entre outras situações? Pois essas escolhas, que são tão importantes na vida de um adulto, porque interferem no eixo vital deles, são similares às escolhas que obrigamos as crianças pequenas a fazer. Sim: obrigamos.
Elas querem, elas pedem por tudo isso e atendemos -é assim que preferimos pensar.
Elas até podem querer, mas nós é que devemos saber o que faz bem a elas ou o que fará com que padeçam. Por não suportarmos o sofrimento que a criança experimenta quando é desagradada, temos feito com que sofram muito mais. Se você conseguir poupar seus filhos menores de seis anos do processo de fazer escolhas complexas e permitir que eles passem esses primeiros anos de vida apenas brincando sem qualquer outro objetivo que não o de se divertir, dará a eles uma vida presente muito rica. E essa é a melhor maneira de preparar um futuro melhor.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)


Texto Anterior: Como higienizar folhas, cascas e talos
Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.