São Paulo, quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
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OUTRAS IDEIAS

Wilson Jacob Filho

Ambiente


[...] MESMO ATLETAS TÊM RESULTADOS DIFERENTES QUANDO SUBMETIDOS A SOBRECARGAS ADICIONAIS

Conheço-os há mais de três décadas, sempre como um casal determinado a acrescentar algo interessante um ao outro.
Vindos de outro país, souberam adaptar-se à nossa cultura e aqui constituíram a família com filhos, netos e bisnetos.
Medidas preventivas eficazes e doenças bem controladas garantiram a sua autonomia e independência na atual nona década de vida. Ambos se complementam nas aptidões e minimizam suas deficiências mutuamente. A liderança de um combina muito bem com a determinação do outro e assim por diante.
A vida não lhes reservou apenas alegrias. Muitas foram as dificuldades enfrentadas e os reveses sofridos nessa longa convivência e, de pelo menos um deles, decorreu a sua tristeza maior, que os acompanha há quase 20 anos. Mesmo assim, souberam separá-la das alegrias que a sucederam, permitindo-se vivenciá-las integralmente. Coisa que só os sábios conseguem fazer.
Na nossa mais recente conversa, porém, o tema principal foi a piora das falhas de memória que ela vinha apresentando havia alguns anos, mas que nunca tinham afetado a sua funcionalidade rotineira.
Como não havia, no seu estado de saúde, algo que pudesse explicar essa recente evolução, passamos a rever o que poderia ter determinado essa acentuação dos sintomas. Nossa conversa adentrou no cotidiano emocional de cada um deles e no impacto que cada situação familiar determinara em seus sentimentos.
Ambos dedicaram especial atenção enquanto eu falava sobre a importância do ambiente no desempenho físico e intelectual de qualquer um de nós.
Mesmo jovens atletas, excepcionalmente dotados, têm resultados muito diferentes quando submetidos a sobrecargas adicionais, sejam essas de ordem climática, física e/ou emocional. Fica fácil entender por que os idosos podem ser ainda mais influenciados por esses mesmos fatores, embora isso seja frequentemente pouco valorizado.
Um bom exemplo foram os recentes efeitos do calor brasileiro, provocando aumento da mortalidade entre os mais velhos, fazendo lembrar a catástrofe ocorrida na França no verão europeu de 2003. Não lhes dei, porém, nenhuma informação sobre esse tema que já não soubessem ou qualquer cuidado que ainda não tinham incorporado entre suas prioridades.
Nossa conversa tornou-se mais interessante quando passei a atribuir ao ambiente emocional igual importância no desempenho intelectual quando comparado aos demais fatores, geralmente mais valorizados.
Com acenos de cabeça, demonstrando concordância, ele aguardou que eu terminasse a explanação e perguntou: "Por que problemas menores do que vivemos no passado são, hoje, responsáveis por consequências mais intensas?".
Foi nítida sua expressão de alívio ao se conscientizar de que esse não era um prenúncio de agravamento de doença, mas sim a demonstração de que cada organismo tem particularidades que se acentuam com o avançar da idade, que devem ser mais bem entendidas por todos, incluindo os clientes, familiares e profissionais envolvidos, para que juntos possamos criar as condições ambientais mais favoráveis ao melhor desempenho de quem pretende envelhecer com saúde.


WILSON JACOB FILHO é professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP)

wiljac@usp.br

Leia na próxima semana a coluna de Michael Kepp


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