São Paulo, quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
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SAÚDE

Mistura arriscada

Interações entre fitoterápicos e remédios muito usados para doenças crônicas têm efeitos devastadores, afirmam médicos

IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Produtos à base de extratos vegetais têm efeitos reais na saúde. E isso não é necessariamente uma boa notícia. Uma revisão de estudos realizada por médicos da Clínica Mayo, nos EUA, comprova que os produtos vegetais consumidos para prevenção e tratamento de problemas de saúde causam efeitos indesejados e provocam interações perigosas com os remédios mais usados no tratamento de doenças crônicas.
Divulgada este mês no "Journal of the American College of Cardiology", a revisão inclui trabalhos publicados entre 1996 e 2008 e uma tabela mostrando os riscos de mais de 20 produtos à base de plantas. Sobrou até para o chá-verde.
Para os autores, milhões de pessoas estão expostas ao risco das interações adversas, mas os médicos não costumam levar em conta o uso de fitoterápicos.

Controle de qualidade
"Os pacientes não querem dizer ao médico que estão consumindo determinados produtos. E os médicos têm dificuldade de perguntar se o paciente consome esses produtos [à base de plantas] ou se gostaria de utilizá-los", diz Paulo de Tarso Lima, médico e cirurgião do hospital Albert Einstein e autor de "Medicina Integrativa - A Cura pelo Equilíbrio" (ed. MG).
Para ele, a situação no Brasil não é diferente da observada pelos autores da revisão dos EUA. "Na verdade, aqui é pior, porque a padronização dos produtos e as medidas de segurança são muito precárias", diz.
Os especialistas da Clínica Mayo também alertam no artigo para o baixo controle de qualidade dos produtos vendidos no mercado norte-americano. Eles afirmam que mais de 40% dos fitoterápicos não contêm as doses citadas na embalagem ou substituem os ingredientes caros por outros mais baratos.
Outro problema é que vários produtos "naturais" são adulterados com o acréscimo de antibióticos, anti-inflamatórios não esteroides, hormônios e metais pesados.
Para os autores, a falta de conhecimento sobre as interações entre os produtos à base de plantas e os medicamentos convencionais provoca efeitos devastadores em populações vulneráveis, incluindo idosos, crianças, grávidas, imunodeprimidos e pessoas com problemas hepáticos e renais.

Doentes crônicos
"É muito difundido o conceito de que se [o fitoterápico] não fizer bem, mal não fará. É preciso alertar sobre os riscos, principalmente para doentes crônicos, que precisam tomar remédios sistematicamente", diz o cardiologista César Jardim, do HCor (Hospital do Coração), em São Paulo.
É o que acontece com quem tem problemas cardiovasculares. Pesquisas americanas mostram que 64% das pessoas com fibrilação atrial, insuficiência cardíaca e doença isquêmica do coração usam os remédios convencionais e os à base de plantas ao mesmo tempo e que 58% delas tomam suplementos capazes de provocar interações adversas com medicamentos amplamente usados na cardiologia, como anticoagulantes.
"Se a pessoa usa anticoagulante e, ao mesmo tempo, toma fitoterápico, aumenta o risco de ocorrer derrame hemorrágico, fibrilação atrial etc.", diz José Antonio Ramires, do InCor (Instituto do Coração).
Ramires lembra que as evidências atuais sobre os fitoterápicos não permitem estabelecer claramente os benefícios e os riscos. Portanto, eles não são a primeira escolha do médico. Mas tudo isso não os descarta totalmente como opção terapêutica. "Por exemplo, quando não conseguimos controlar o colesterol com remédios, podemos associar fitoterápicos que diminuem a absorção dessas gorduras", diz o cardiologista.


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