São Paulo, quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
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ROSELY SAYÃO

Ensino público


[...] A CLASSE MÉDIA NÃO SE IMPORTA COM AS POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO E A IMPRENSA SE OCUPA MAIS COM O QUE ACONTECE NAS ESCOLAS PRIVADAS

Recebi duas correspondências de mães de dois jovens que se dedicaram com afinco, no ano passado, a estudar para o vestibular. Uma delas anunciou que, após dois anos de preparação, seu filho finalmente conseguiu classificação para matricular-se em uma universidade pública reconhecida, que ele tanto almejava.
Agora ela quer saber o que pode fazer para ajudar o filho nessa nova fase da vida.
A outra mãe não sabe como agir porque seu filho não atingiu classificação para a universidade pública, mas passou em uma universidade privada que ela considera boa e cuja mensalidade a família pode pagar. No entanto, o jovem se recusa a fazer a matrícula porque considera humilhante obter um diploma de graduação nessa universidade depois de cursar o ensino médio em uma escola muito bem avaliada. Essa mãe quer convencer seu filho a mudar de opinião para não desperdiçar um ano de estudos.
Creio que esses dois depoimentos juntos nos dão um retrato de como nossos equívocos a respeito da avaliação que fazemos sobre o ensino público e o ensino privado têm reflexo nos mais novos. Criamos uma verdadeira contradição nesse sentido, não é verdade?
De um modo geral, a classe média optou por colocar seus filhos durante o ensino básico em escolas particulares: desde as famílias mais abastadas, que conseguem pagar as caríssimas mensalidades de algumas escolas consideradas "as melhores" por diversos motivos, até famílias mais simples, que vivem com orçamento apertado e que conseguem escolas particulares com mensalidades bem mais em conta.
Para ter uma ideia, encontrei pais que pagam desde R$ 330 por mês pela escola dos filhos até os que arcam com perto de R$ 2.000. Ou seja, há escolas privadas para todos os bolsos.
O que importa é que, independentemente do projeto pedagógico da escola, do empenho e do compromisso de seus docentes, da didática utilizada etc., decidimos valorizar o ensino básico privado e, consequentemente, desvalorizar o público, com raras exceções.
Pode não parecer, mas tal atitude gera muitas consequências para a educação do país: a classe média não se importa com as políticas públicas em educação, a imprensa se ocupa muito mais com o que acontece nas escolas privadas e ressalta as mazelas das públicas, e a boa educação escolar segue como privilégio de classe.
O curioso é que a lógica aplicada se inverte no ensino universitário: a mesma classe média passa a valorizar o ensino público e a desvalorizar a maioria do privado.
Que raciocínio é esse? Com ele, criamos distorções importantes. Famílias enfrentando problemas financeiros que poderiam transferir os filhos para escolas públicas escolhem continuar nas particulares mesmo inadimplentes, por exemplo, sem falar da imagem que passamos aos mais novos, como no caso do filho da leitora citada.
Até quando vamos sustentar a complexidade que é a educação escolar com essa equação tão simplista?


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)

roselysayao@uol.com.br

blogdaroselysayao.blog.uol.com.br


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