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foco nele
Existe versão saudável de workaholic
VERÔNICA FRAIDENRAICH
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Jornadas intermináveis de trabalho e
tempo escasso para lazer e descanso. Rotina típica de workaholic, certo? Não, pode tratar-se do oposto: rotina de worklover. O conceito foi criado pelo psicólogo
Wanderley Codo, coordenador do Laboratório de Psicologia do Trabalho da Universidade de Brasília, que identifica uma fartura de worklovers no Brasil -de executivos a encanadores. Leia a entrevista.
Folha - Em que o senhor se baseou para
desenvolver o conceito de worklover?
Wanderley Codo - Esse termo vem sendo
construído a partir das pesquisas que temos feito desde 1979. Sempre que fazemos o diagnóstico do trabalho, encontramos pessoas extremamente apaixonadas
pelo que fazem. Mas foi há cerca de dois
anos que passamos a usar o termo em
contraposição a workaholic e também
como uma crítica a ele, porque o que começou a ser difundido é que qualquer
pessoa que trabalhasse muito era um viciado e a gente apostava que não. Há
quem, simplesmente, goste muito do trabalho, inclusive daqueles considerados
chatos, e que não é viciado nem usa o trabalho como um meio para fugir da vida,
mas é uma pessoa com uma vida afetiva
regular e satisfatória.
Folha - Como definir o worklover?
Codo - Uma pessoa que pode perceber o
poder de transformação de si mesmo e
do mundo que o trabalho tem. Deus
criou o mundo à sua imagem e semelhança, e cada homem vê o mundo à sua
imagem e semelhança. O trabalho é que
permite isso. O trabalho do marceneiro
faz com que se transformem árvores em
mesas e, ao fazer mesas, o profissional
muda o mundo e muda você também.
Quando você se senta à mesa, você deve
um tributo ao marceneiro. Quer achar fácil um worklover? Pergunte para alguém
o que faria se ganhasse na loteria. A pessoa dirá que viajaria, compraria carro,
mas que continuaria trabalhando exatamente naquilo que trabalha.
Folha - Há profissões mais propensas à
existência de worklovers?
Codo - As que são menos alienadas, nas
quais o indivíduo é capaz de saber o significado de seu trabalho. Professores,
cientistas, artistas, jornalistas, executivos
ou biscateiros, como pedreiros e encanadores. Um encanador que não trabalhe
dentro de fábrica é uma pessoa que tem
conhecimento e controle do processo. Ao
ser chamado para resolver um cano entupido, por exemplo, saberá detectar o problema, fazer o diagnóstico e resolvê-lo.
Assim ele deixa você feliz e o transforma.
Se esse encanador tiver uma relação alienada com o trabalho, na obra de um prédio, por exemplo, ganhando um salário
de R$ 300 e simplesmente obedecendo a
ordens sem entender o motivo, ele terá
dificuldade de se conscientizar da transformação que está realizando. Ele faz a
transformação, quer queira, quer não,
mas precisa ter alguma consciência.
Folha - Há worklovers em trabalhos mecânicos?
Codo - Sim. Muitas vezes o trabalhador
tem uma consciência mágica: estou colocando este cano aqui porque preciso sofrer para ir para o céu. É uma alienação. É
uma saída mágica que ele encontrou e
que, de alguma forma, o realiza. São casos mais raros, mas acontecem. Da mesma forma, você pode encontrar alguém
que fica apertando o mesmo parafuso oito horas por dia e ama esse trabalho. Fazer tricô, por exemplo, é rotineiro, sempre o mesmo movimento, no entanto, é
muito criativo e prazeroso. A pessoa quer
dar um presente para o neto. É bonito isso, porque ela transmite o afeto para o
outro por meio do produto do seu trabalho. Ao escrever uma reportagem, você
está, de certa forma, transmitindo afeto
para a humanidade -pode ser afeto negativo, se você não gosta da humanidade.
Folha - Quais as diferenças entre os work-lovers e os workaholics?
Codo - Os dois trabalham demais, tendem a se envolver muito no que fazem.
Na superfície são idênticos, mas, se você
chega perto, as diferenças aparecem. No
plano do significado, do sentido que o indivíduo tem do trabalho, a coisa é totalmente oposta. O workaholic trabalha
porque não pode viver, não pode levar
sua vida. O worklover trabalha porque
gosta disso e pode, perfeitamente, gostar
da mulher, de sexo, da vida dele fora do
trabalho. Aliás, existem pesquisas mostrando que pessoas altamente dedicadas
ao trabalho também são indisciplinadas
com relação a ele. Não necessariamente
chegam na hora, porque são pessoas que
têm um vínculo com o trabalho de outro
tipo. Eu tenho um pesquisador no laboratório que volta e meia não vem trabalhar de manhã. Pergunto por que e descubro que ele ficou no computador resolvendo um problema nosso até de madrugada no dia anterior. E o bom administrador sabe que esse cara está cuidando da vida e não fica cobrando horário.
Folha - No Brasil, há uma estimativa dos
worklovers?
Codo - Por paradoxal que pareça, numa
situação mais pobre economicamente, o
trabalho se torna mais informal e, logo,
menos alienado. Então há muita gente
no Brasil que adora seu trabalho. É um
dos povos que mais trabalham no mundo. A tendência, portanto, é afirmar que
muitos brasileiros são felizes.
Folha - Qual a importância do trabalho
para o homem?
Codo - É ele que nos constrói. É através
dele que a gente olha no espelho e se reconhece. É algo muito prazeroso e, quando não é, alguma coisa está errada.
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