São Paulo, quinta-feira, 25 de novembro de 2004
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outras idéias

wilson jacob filho

A luta real é aquela que travaremos contra as doenças visando a promoção do envelhecimento saudável

A saúde ou a doença?

Durante um tempo e ainda hoje, este tipo de questão cria um importante viés no entendimento sobre o assunto. Ainda persiste a idéia de que saúde e doença são antagônicos, e que a presença de um decorreria da ausência do outro. Perigoso engano.
Saúde, em verdade, vai muito além da inexistência de doenças e, por outro lado, não depende desta condição.
Em 1947, a Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu que "saúde é o estado de pleno bem estar físico, psíquico e social". Há que se entender melhor a importância deste conceito, pois muitos dos descaminhos que envolvem o tema decorrem do desconhecimento ou da má interpretação.
Aqueles que, por exemplo, entendem que só tem saúde quem não tem doenças fazem o possível para não diagnosticá-las. Escondidos por trás do falso álibi de que "quem procura, acha", privam-se de todas os benefícios do diagnóstico precoce das enfermidades, fase sabidamente muito mais favorável para a sua cura ou tratamento adequado, antes que as conseqüências habituais decorram.
Outros, igualmente equivocados, submetem-se à inexorabilidade das doenças entendendo que são estas inerentes ao envelhecimento. Utilizando de jargões como "a idade do condor: com dor nas pernas, nas costas..." ou do famigerado "com essa idade você queria o quê?", divulgam a nefasta confusão entre a senescência e a senilidade (definidas em nossa coluna anterior), que tanto contribui para os preconceitos que afligem aqueles que temem envelhecer.
Ainda mais importante, porém, é a freqüente incapacidade de admitir que a existência de doenças bem-cuidadas e controladas é perfeitamente compatível com o estado de saúde definido pela OMS. Por mais paradoxal que possa parecer, é isso que acontece com a maioria das pessoas saudáveis nas fases mais avançadas da vida. Praticamente nenhuma delas está isenta de enfermidades, mas, e isso é fundamental, desde que adequadamente administradas, não as priva da integridade funcional.
Façamos um teste. Escolhamos, em meio aos nossos conhecidos, o octagenário que gostaríamos de ser. Aquele que mantém sua autonomia e independência, reconhece suas limitações e lida bem com isso, contribui, ao seu modo, para a comunidade na qual está incluído, tem planos para hoje e para amanhã, enfim, goza do "pleno estado de bem estar físico psíquico e social".
Posso garantir, sem medo de errar, que esse idoso saudável é portador de três ou quatro enfermidades, tem igual ou maior número de sintomas e necessita de alguns cuidados para manter-se estável. Sabe, porém, dar às doenças e suas conseqüências -manifestações e tratamentos- o seu devido valor. Por isso é capaz de desempenhar, com prazer e competência, os papéis que escolheu para esta fase da vida.
Vamos encontrá-lo dirigindo seus negócios, o seu veículo, opinando sobre economia ou sobre novelas, participando das reuniões de condomínio ou das festas de aniversário dos bisnetos e fazendo os exercícios e dieta recomendados, além do uso dos medicamentos prescritos.
Soube adequar, junto às pessoas que escolheu para orientá-lo, uma relação custo-benefício favorável às suas expectativas e possibilidades. Nesse sentido, o tempo e a experiência de vida são grandes agonistas na tomada de decisões.
Essa será a melhor opção, se não a única, para transformar esta crescente expectativa de vida prevista para o século 21 em real benefício ao indivíduo e a sociedade. Chega de temer e combater o envelhecimento. A luta real, efetiva e eficaz é aquela que travaremos contra as doenças, seus determinantes e suas conseqüências nos âmbitos físicos, psíquicos e sociais visando a promoção do envelhecimento saudável.


Wilson Jacob Filho, 51, é geriatra, professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP). É autor de "Prática a Caminho da Senecultura" (ed. Atheneu).
@>wiljac@usp.br



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