São Paulo, quinta-feira, 25 de novembro de 2004
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s.o.s.família

rosely sayão

Na ânsia para que os filhos sejam gregários, muitos pais acabam por colocar por terra seus princípios e até mesmo suas coerências

Quem decide o que é melhor para os filhos?

A mãe de uma garota de 9 anos conta que a filha adora ler. A menina passa a maioria de suas horas livres em companhia dos livros e já tem até seus autores preferidos. Mas, o que para a maioria dos adultos parece um hábito dos mais saudáveis para uma criança dessa idade, não é avaliado dessa maneira pelo pai. Este gostaria que a filha lesse menos e se comunicasse mais com os amigos. Aliás, ele até insiste para que a filha passe um tempo na internet para enviar correspondência eletrônica aos colegas. A mãe quer saber quem tem razão: se o pai, que quer mais socialização para a filha, ou ela, que adora que a filha leia.
Vou aproveitar para voltar a comentar a pressão que os pais fazem sobre os filhos para que eles sejam sociáveis, extrovertidos, felizes e sempre com amigos por perto, demandando sua companhia. Tem coisa mais estressante do que essa obrigação? E é em nome desse aspecto da vida, inclusive, que muitos pais compraram a idéia de que é preciso permitir que o filho faça e tenha as mesmas coisas que a maioria dos colegas: para que fique integrado aos grupo, para que tenha assunto e conversa com os pares. Mesmo que isso custe uma educação coerente com os princípios da família.
Nunca se falou tanto em respeito à diferença quanto no mundo contemporâneo. Mas, ao mesmo tempo, nunca se buscou tanta uniformidade -e conformidade- para a vida dos filhos, não é mesmo? Um pai relutou muito em dar o telefone celular à filha porque não achava necessário, acreditava que ela não saberia usar com responsabilidade, que seria mais um brinquedo do que uma utilidade. Ele bem que estava certo. Só que não resistiu quando percebeu que a filha era uma das únicas de sua classe sem o objeto e que, por isso, deveria ficar isolada do grupo na hora do recreio sem um aparelho com o qual pudesse jogar ou enviar um recado a outro colega.
Importante ressaltar que os tais "torpedos" são enviados aos colegas que estão, ao mesmo tempo, no mesmo recreio no pátio escolar. Pelo jeito, já estão todos isolados se, em vez de conversarem diretamente, precisam enviar mensagens para se comunicar.
Pois é: nessa ânsia para que os filhos sejam gregários, muitos pais acabam por colocar por terra seus princípios e até mesmo suas coerências.
Será que vale a pena? Um outro ponto que a correspondência enviada pela mãe permite discutir é o gosto pela leitura. Muitos afirmam que crianças e jovens -adultos também- lêem bem pouco nos tempos atuais.
E, como não poderia deixar de ser, muitos encontram excelentes culpados para explicar essa falta: a televisão, o videogame, o computador, a internet etc. Esta, aliás, com seus programas de comunicação virtual, é o bode expiatório da vez.
Mas é claro que não há um único motivo que justifique o desinteresse crescente pela leitura. É preciso considerar que nosso estilo de vida é veloz e a leitura -quem lê sabe muito bem disso- exige concentração, paciência e tranqüilidade, mesmo que inquieta.
Entretanto, mesmo assim, há uma onda que busca introduzir os livros na vida de crianças e jovens. Claro que ler é muito bom. Ou melhor, ler pode ser muito bom. Para quem gosta, para quem descobre que os livros são excelente companhia, para quem descobre nas letras muitos segredos da própria vida. Mas é preciso ter talento para chegar a tanto.
Sabem quando uma criança ou um jovem manifesta um talento diferenciado para uma determinada modalidade esportiva, por exemplo? Pois a mesma coisa pode ser aplicada ao gosto pelos livros: alguns têm jeito para a leitura, logo de cara já se entregam sem esforço algum. Talvez como a filha de nossa leitora.
Já outros lêem por necessidade, por pura obrigação. Não há gosto algum nisso. Ocorre que ler virou objeto de consumo, tanto quanto a educação, e esse talvez seja um dos motivos que explique porque é cada vez mais difícil encontrar leitores entre crianças e jovens.
Um último alerta: hoje, educar bem os filhos virou estratégia de luta de prestígio para muitos pais. Muitas vezes, o próprio filho nem entra em questão, pois o que os pais buscam é nada mais do que uma boa avaliação como pais. Pouco importa se é o pai ou a mãe quem tem a razão. O que importa mesmo é que o filho possa se encontrar e encontrar o seu rumo.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar
Meu Filho?" (Publifolha)
@>roselys@uol.com.br



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