São Paulo, quinta-feira, 26 de abril de 2007
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Rosely Sayão

Em busca do bom senso

N a base de nossos conceitos e preconceitos educativos, tanto leigos quanto profissionais, existem algumas idéias a respeito do que significa ser uma criança ou um adolescente neste tempo que nos levam a cometer insanidades e a esquecer totalmente o bom senso. Acreditamos, por exemplo, que crianças sabem querer e que elas têm esse direito. Mas não temos a mínima idéia de como essa concepção é capaz de criar equívocos. Vejamos: se uma criança quer dormir na cama dos pais, estes, por mais que digam que não aceitam, no contato com o filho dizem, de maneira clara, que esse querer é legítimo.
Assim, milhares de crianças são privadas, todas as noites, de um sono reparador e, principalmente, de construir seu lugar em relação aos pais.
Outro exemplo é a criança pequena que só come em determinadas situações. Conheço crianças que almoçam passeando de elevador com a babá. Novamente, os pais não se dão conta de que eles autorizam -e até estimulam- tais situações. O que dizer, então, da idéia de que criança tem direito a ter respostas convincentes para tudo? São poucos os adultos que admitem responder ao filho que ele deve fazer determinada coisa simplesmente porque é necessário. A resposta dada tempos atrás, "porque sim", é agora identificada como autoritária e considerada similar à "porque é preciso". Por isso, pais e professores não consideram legítimo conduzir os mais novos a fazer coisas simplesmente porque é preciso. Eles buscam encontrar razões lógicas e, muitas vezes, se enrolam nessa empreitada. Já vi uma professora tentar convencer um aluno a escrever da esquerda para a direita sem sucesso porque a criança queria saber o porquê e a mestra não tinha uma boa resposta a dar.
E essa história de "autonomia" da criança? Temos levado isso tão a sério -ou melhor, de modo tão leviano- que abandonamos filhos e alunos em situações de endoidecer qualquer um deles. E a loucura na relação de adultos com crianças só aumenta porque, por outro lado, negamos alguns direitos básicos que elas têm em nome da proteção, em busca de evitar que sofram ou enfrentem frustrações e, principalmente, em nome da preparação delas para o futuro.
A criança tem o direito fundamental de brincar, certo ou errado? Assinalamos a segunda alternativa. Pais e professores simplesmente não permitem que a criança brinque. São eles que, agora, dirigem as brincadeiras e roubam a oportunidade de a criança criar seu jeito de brincar e de aprender a se virar sozinha em relação a essa atividade tão importante na vida dela, aliás, uma das únicas na qual deveria ter autonomia.
E o direito a participar das conversas que dizem respeito à própria criança, como sua saúde, seu comportamento, sua aprendizagem, seu castigo? Ah, isso não é coisa de criança! Ainda há médicos pediatras que pedem que a criança se retire depois do exame clínico para conversar só com o adulto; professores, diariamente, fazem observações de seus alunos aos pais destes na ausência das crianças. Em resumo: permitimos que elas falem bobagens quando não devem e impedimos que participem ativamente das conversas que efetivamente lhes dizem respeito.
Seria muito bem-vinda uma pedagogia baseada apenas no bom senso, não? Ou será que já perdemos isso?


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br


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