São Paulo, quinta-feira, 26 de julho de 2007
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Outras idéias/Michael Kepp

O culto à celebridade

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CONHECE-SE MUITO SOBRE UMA SOCIEDADE OBSERVANDO QUEM ELA CELEBRA

Quando li neste mês em "O Globo" que as atrizes Carolina Dieckmann, Deborah Secco e Flávia Alessandra estavam cobrando cachês de R$ 25 mil, R$ 15 mil e R$ 10 mil, respectivamente, para aparecer (por 40 minutos) numa festa, questionei o que havia criado esse rico mercado. Talvez o mesmo narcisismo que leva homens mais velhos a casar com jovens exuberantes (troféus), que custam muito mais, mas não cobram por aparição.
Não me arrependo de nunca ter ido a uma festa dessas. Ficar próximo de uma celebridade me lembraria de que pior do que ser famoso só por ser famoso é ser um completo desconhecido. A fama faz parte dessa cultura de vaidade, repleta de cirurgias plásticas, espelhos até nos elevadores e mulheres-troféu. Então, não surpreende que a luz de uma estrela faça alguém em sua presença sentir que brilha mais. Não é por isso que pedem autógrafos?
Conhece-se muito sobre uma sociedade observando quem ela celebra. No mês passado, duas redes de TV americanas ofereceram à socialite Paris Hilton cachês exorbitantes para fazer a primeira entrevista após a prisão. Ela passou 23 dias lá (depois de dirigir embriagada, várias vezes, sem habilitação, com os faróis desligados e acima do limite de velocidade), apesar de exigir que o juiz a tratasse como qualquer outra celebridade e suspendesse sua sentença.
As celebridades que entrevistei, de Tom Jobim ao ator Michael Caine, fazem o ambiente brilhar com sua luz. Mas, como a maioria de nós, não se abrem com estranhos. Meu ex-terapeuta disse que as jovens atrizes de novela a quem atendia, traumatizadas pela fragilidade da fama, não se abriam nem com ele. Então, se eu conhecesse uma delas em uma festa, sobre o que conversaríamos?
Suspeito também que os famosos não têm muito o que dizer uns aos outros. Alfred Hitchcock ficava entediado com os hollywoodianos que convidava para seus banquetes. Tanto que, em várias ocasiões, tornava tudo uma grande brincadeira, contratando uma atriz idosa e desconhecida para fingir ser convidada. Quando alguém perguntava quem era a velhinha no fim da mesa, o cineasta dizia: "Não faço idéia. Eu não a convidei". Aquilo gerava uma troca de cochichos sobre a velhinha, que, quando questionada, dizia não se lembrar de quem a convidara.
A brincadeira animou os jantares de Hitchcock -e por muito menos do que os brasileiros pagam a celebridades para irem às festas. Uma vez, um amigo me convidou para um jantar de cinéfilos, que me pediu para animar, fingindo ser um conhecido, mas recluso, cineasta raramente fotografado. Para meu deleite, os convidados passaram a noite bajulando meus filmes. Até meu amigo (da onça) revelar, quando eu estava no banheiro, que eu era um impostor.
Então, se os ricos aqui quiserem me contratar para um papel similar em suas festas, eu talvez aceite. Entre estranhos, fingir ser famoso é mais divertido do que tentar ser eu mesmo. Essa dissimulação pode até me dar coragem para me aproximar de Carolina Dieckmann, se estiver presente. Afinal, teríamos algo em comum.


MICHAEL KEPP , jornalista norte-americano radicado há 25 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)

www.michaelkepp.com.br


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