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Outras idéias/Michael Kepp
O culto à celebridade
[...]
CONHECE-SE MUITO SOBRE
UMA SOCIEDADE OBSERVANDO QUEM ELA CELEBRA
Quando li neste mês
em "O Globo" que as
atrizes Carolina
Dieckmann, Deborah Secco e Flávia Alessandra
estavam cobrando cachês de
R$ 25 mil, R$ 15 mil e R$ 10 mil,
respectivamente, para aparecer (por 40 minutos) numa festa, questionei o que havia criado esse rico mercado. Talvez o
mesmo narcisismo que leva homens mais velhos a casar com
jovens exuberantes (troféus),
que custam muito mais, mas
não cobram por aparição.
Não me arrependo de nunca
ter ido a uma festa dessas. Ficar
próximo de uma celebridade
me lembraria de que pior do
que ser famoso só por ser famoso é ser um completo desconhecido. A fama faz parte dessa
cultura de vaidade, repleta de
cirurgias plásticas, espelhos até
nos elevadores e mulheres-troféu. Então, não surpreende que
a luz de uma estrela faça alguém em sua presença sentir
que brilha mais. Não é por isso
que pedem autógrafos?
Conhece-se muito sobre uma
sociedade observando quem
ela celebra. No mês passado,
duas redes de TV americanas
ofereceram à socialite Paris
Hilton cachês exorbitantes para fazer a primeira entrevista
após a prisão. Ela passou 23
dias lá (depois de dirigir embriagada, várias vezes, sem habilitação, com os faróis desligados e acima do limite de velocidade), apesar de exigir que o
juiz a tratasse como qualquer
outra celebridade e suspendesse sua sentença.
As celebridades que entrevistei, de Tom Jobim ao ator Michael Caine, fazem o ambiente
brilhar com sua luz. Mas, como
a maioria de nós, não se abrem
com estranhos. Meu ex-terapeuta disse que as jovens atrizes de novela a quem atendia,
traumatizadas pela fragilidade
da fama, não se abriam nem
com ele. Então, se eu conhecesse uma delas em uma festa, sobre o que conversaríamos?
Suspeito também que os famosos não têm muito o que dizer uns aos outros. Alfred
Hitchcock ficava entediado
com os hollywoodianos que
convidava para seus banquetes.
Tanto que, em várias ocasiões,
tornava tudo uma grande brincadeira, contratando uma atriz
idosa e desconhecida para fingir ser convidada. Quando alguém perguntava quem era a
velhinha no fim da mesa, o cineasta dizia: "Não faço idéia.
Eu não a convidei". Aquilo gerava uma troca de cochichos
sobre a velhinha, que, quando
questionada, dizia não se lembrar de quem a convidara.
A brincadeira animou os jantares de Hitchcock -e por muito menos do que os brasileiros
pagam a celebridades para
irem às festas. Uma vez, um
amigo me convidou para um
jantar de cinéfilos, que me pediu para animar, fingindo ser
um conhecido, mas recluso, cineasta raramente fotografado.
Para meu deleite, os convidados passaram a noite bajulando meus filmes. Até meu amigo (da onça) revelar, quando
eu estava no banheiro, que eu
era um impostor.
Então, se os ricos aqui quiserem me contratar para um papel similar em suas festas, eu
talvez aceite. Entre estranhos,
fingir ser famoso é mais divertido do que tentar ser eu mesmo. Essa dissimulação pode
até me dar coragem para me
aproximar de Carolina Dieckmann, se estiver presente. Afinal, teríamos algo em comum.
MICHAEL KEPP , jornalista norte-americano
radicado há 25 anos no Brasil, é autor do livro de
crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões
e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)
www.michaelkepp.com.br
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