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foco nela
Endocrinologista defende corrida contra o diabetes
ANTONIO ARRUDA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Quando estava na França, em 1998, a endocrinologista e maratonista Ana Claudia Ramalho, 37, conseguiu o que acreditava ser quase
impossível: correr a maratona de Paris. A idéia
inicial era fazer apenas metade do trajeto, ou
seja, cerca de 21 km. Mas Ana Cláudia enfrentou o desafio e foi a única mulher associada à
Associação Francesa de Diabéticos (AFD) a
terminar os mais de 42 km do percurso.
Se não tivesse o acompanhamento de médicos, Ana Cláudia poderia ter sofrido com as
conseqüências de uma hipoglicemia -taxa de
glicose no sangue abaixo da normal- que a
acometeu no km 40. Desde esse ponto até o final da prova, ela foi seguida por um enfermeiro, que, de bicicleta, ia tratando de fazer a reposição de carboidratos da corredora.
Todo esse amparo levou a médica a criar o
departamento de exercícios da SBD - Sociedade Brasileira de Diabetes e a Desa/Brasil - Associação de Exercício, Esportes e Diabetes.
No próximo domingo, dia 29 de agosto, o esforço de Ana Cláudia para aumentar o atendimento a diabéticos que praticam esportes vai
avançar mais um passo: os corredores portadores da doença que percorrerem os 7,5 km da
Segunda Corrida Duque de Caxias, em São
Paulo, receberão apoio médico durante o trajeto, desde a medição do nível de glicemia até a
reposição de carboidratos, quando necessária.
A iniciativa, da SBD em parceria com a Corpore - Corredores Reunidos, tem como lema
"Controle seu diabetes correndo". Portadores
de diabetes que quiserem participar podem
obter mais informações e fazer as inscrições
no site www.corpore.org.br. Leia entrevista
com a endocrinologista, que dá dicas para corredores diabéticos e fala da importância da atividade física para os portadores da doença.
Folha - Como nasceu a idéia de oferecer apoio
a corredores diabéticos?
Ana Ramalho - Em 1998, quando morava em
Paris para fazer meu doutorado, fiz da corrida
meu maior instrumento de equilíbrio psicológico e de melhora do meu controle metabólico. Comecei a correr todos os dias e consegui
participar da maratona de Paris. Na França,
existem associações de esporte e diabetes que
estão constantemente desenvolvendo eventos
esportivos para estimular os diabéticos. Eu era
membro da Associação Francesa de Diabéticos (AFD) e da Associação de Esporte e Diabetes (ASD). Na maratona de Paris, éramos 12
diabéticos correndo com apoio da AFD e da
ADS. Hoje, percebo claramente que o trabalho
de apoio da AFD e a estrutura montada foram
decisivos. Percebi como é importante para o
diabético ter acesso a programas de incentivo
à atividade física e voltei com essa idéia em minha cabeça: criar uma associação de apoio ao
exercício físico e diabetes.
Folha - E não havia nada parecido sendo realizado no Brasil?
Ramalho - De volta ao Brasil, participei de várias corridas de rua em Salvador e em outras
cidades, e em nenhuma existe uma mínima estrutura para os diabéticos. Imagino que muitos portadores da doença temam participar de
corridas em geral e mais ainda de maratonas,
pois não sabem as adaptações necessárias a serem feitas ou mesmo quando fazer a glicemia.
Imaginem se essas pessoas tiverem a certeza
que contarão com profissionais habilitados a
orientá-las? Com certeza elas vão correr.
Folha - Por que é importante que os diabéticos
pratiquem exercícios?
Ramalho - Porque a prática de esportes reduz
problemas cardíacos, melhora o colesterol,
controla a glicemia e aumenta a auto-estima.
Com os avanços do tratamento, todos os exercícios e esportes são possíveis para quem tem
diabetes.
Folha - Quais os cuidados que uma pessoa diabética precisa ter ao fazer atividades físicas? No
caso das corridas, a atenção deve ser maior?
Ramalho - Deve-se seguir, entre outras, algumas orientações: obter a aprovação do médico
para a prática de exercícios, especialmente se a
pessoa tem diabetes há muitos anos, se tem
complicações ou ainda se é sedentária há muito tempo ou tem problema cardíaco associado
à doença; fazer monitorização da glicemia capilar antes, durante a prova (se ela durar mais
de 45 minutos) e no final da corrida; estar preparado para tratar hipoglicemia; ter sempre
carboidrato simples à mão (açúcar, mel, suco
de fruta); se usar insulina, escolher bem o local
de aplicação, evitando as pernas quando for
correr; e usar carboidrato antes, durante a prova (se a duração for maior que 45 minutos) e
após a corrida. A pessoa também não deve esconder que tem diabetes, utilizando cartão de
identificação e comunicando ao treinador e
aos colegas o que fazer em caso de hipoglicemia. Essas recomendações devem adequar-se
a cada caso, e o paciente deve fazer a adaptação necessária, identificada pela monitorização da glicemia antes e após a corrida; isso ajuda, em colaboração com o médico, a encontrar
o bom ajuste da medicação e da alimentação.
Folha - O diabético no Brasil já tem consciência
da importância de realizar atividades físicas?
Ramalho - O portador de diabetes, em sua
maioria, já tem consciência da importância do
exercício no controle da doença, mas ainda
não recebe por parte dos médicos uma orientação adequada de como proceder, das adaptações necessárias ao seu tratamento. Os profissionais de educação física não são formados
de uma forma mais prática para trabalhar com
esse grupo de pacientes; assim, desconhecem
as respostas glicêmicas, verificadas pela monitorização durante o treinamento e, portanto,
muitas vezes, não readaptam cada treino à
realidade metabólica daquele dia. Faltam também programas dinâmicos de incentivo à mudança no estilo de vida, já que é um grande
problema implantar e manter um programa
de atividade física em um indivíduo previamente sedentário.
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