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cérebro
Neurônios em forma
Exercícios on-line prometem melhorar o desempenho cerebral com treinos;
especialistas dizem que não há comprovação dos benefícios pela ciência
PRISCILA PASTRE ROSSI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
TATIANA DINIZ
DA REPORTAGEM LOCAL
Aumentar a memória e
o poder de concentração, incrementar a capacidade de aprender,
turbinar a criatividade, reduzir
o estresse por excesso de informação e aperfeiçoar a atividade
cerebral com exercícios on-line
que não tomarão mais do que
30 minutos do seu dia. Tudo isso por menos de R$ 50 por mês.
Você quer?
Provavelmente, sim. Com
apelos como esses, sites que
vendem programas de exercícios para estimular o funcionamento dos neurônios estão ganhando espaço e conquistando
internautas que não hesitam
em sacar o cartão de crédito
diante das promessas -que vão
de mais eficiência nas tarefas
intelectuais a mais sucesso na
carreira, passando pela superação de dificuldades de aprendizagem em crianças.
Mas será que essa malhação
virtual do cérebro faz sentido?
Pouco. Essa é a resposta unânime dos especialistas ouvidos
pela Folha. Para eles, não há
ainda subsídios científicos à
idéia de que executar um determinado grupo de exercícios
em frente ao computador garantirá melhor performance
cerebral. Só uma coisa é certa,
ensinam: quanto mais se usa o
cérebro, melhor ele funciona e
mais protegido está de doenças
e de degeneração.
"Não restam dúvidas de que
o estímulo é fundamental. Daí
pra frente, o conhecimento é
muito vago. Não dá para dizer
que quem faz palavras cruzadas fica mais inteligente ou que
quem ouve mais música consegue se tornar um pai melhor,
por exemplo. Qualquer associação desse tipo é arbitrária",
enfatiza Roberto Lent, professor de neurociência do instituto de ciências biomédicas da
UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro).
Ele explica que, de fato, estimular o cérebro com atividades intelectuais consolida as sinapses -conexões entre os
neurônios- e até forma novas.
É o que acontece com um
vestibulando quando estuda
um determinado conteúdo,
lendo e pesquisando muitas
vezes sobre ele, ou com um artista que realiza vários ensaios
antes de uma apresentação.
"No final desse processo, ambos terão uma memória consolidada. Há um crescimento na
síntese de proteínas, promovendo maior adesão entre os
neurônios", diz Lent.
Benito Damasceno, professor de neurologia da Unicamp
(Universidade Estadual de
Campinas), diz que não há nenhuma particularidade dos
exercícios on-line em relação
aos outros que garanta maior
ou menor efeito no desenvolvimento cerebral. "Qualquer atividade intelectual é válida para
desenvolver as sinapses."
Ele explica, ainda, o que
acontece quando o cérebro é
ativado sob qualquer forma de
estímulo intelectual. "A pessoa
tem um aumento no fluxo sangüíneo. A cada tipo de atividade, ela ativa um conjunto específico de neurônios, que, geralmente, aumentam também o
consumo de glicose e de oxigênio", detalha. Não há evidências de que esse "treino" disparado pelos estímulos tenha
efeito prático no dia-a-dia das
pessoas.
Os exercícios virtuais podem
ser válidos, desde que o usuário
se interesse por eles e sinta prazer em fazê-los. Além disso, para quem já leva uma vida repleta de estimulação intelectual,
trocar minutos de sono -atividade, aliás, fundamental para o
bom funcionamento do cérebro- pela obrigação de concluir o programa proposto pelo
site de exercícios para neurônios pode ser uma escolha inútil, alertam os especialistas.
"É preciso haver contextualização desse estímulo. Uma
criança urbana com deficiência
de aprendizagem e que se interessa pelo computador pode tirar proveito do método. Por outro lado, uma criança do campo
com o mesmo problema pode
preferir uma árvore para subir", observa Sérgio Leme da
Silva, coordenador do serviço
de neuropsicologia do Hospital
Universitário de Brasília.
Correntes
Fundamentadas nas comprovações de que o cérebro
permanece plástico e pode ser
treinado ao longo da vida, duas
correntes teóricas defendem a
prática de exercícios de estimulação cerebral.
A primeira é a neuróbica,
criada por Lawrence Katz, professor de neurobiologia e pesquisador do Instituto Médico Howard Hughes, nos Estados
Unidos. Katz desenvolveu
exercícios que propõem tornar
o cérebro mais rápido e flexível.
Um dos fundamentos está
em quebrar a rotina, fazendo as
mesmas atividades de modos
diferentes: destros escovarem
os dentes com a mão esquerda,
por exemplo. Tirar férias em
lugares desconhecidos e
aprender novas línguas também estão entre as dicas de
estimulação cerebral da
neuróbica.
A segunda corrente é
conhecida como "brain
gym" -ou "ginástica cerebral"- e foi idealizada por
Paul Dennison, criador da
educação cinestésica e
doutor em educação pela
Universidade do Sul da Califórnia, nos EUA.
Aqui, o caminho para
aprimorar a performance
mental é acessar áreas do
cérebro antes inativas praticando certos exercícios físicos e movimentos. De acordo
com Dennison, girar o pescoço
com o corpo relaxado ajuda a
ler melhor em voz alta, por
exemplo. A corrente é criticada
pelos especialistas da área de
neurociência.
Sites e jogos
Somente 90 dias para sentir
os resultados. Esse é o prazo
mencionado pelo site BrainBuilder (www.brainbuilder.com). Com assinatura
mensal de US$ 7,95, o treinamento conta com um personal
trainer virtual que, a partir de
uma avaliação do desempenho
cerebral, indica os melhores
exercícios.
Uma das tarefas sugere a memorização de seqüências de letras e números, que devem, depois de ouvidas, ser digitadas,
às vezes de trás para a frente.
"Na verdade, esse tipo de prática é mais um teste da memória
operacional do que exatamente
um estímulo. Repeti-la diariamente não significa que você
está aperfeiçoando o cérebro",
afirma Sérgio Leme da Silva.
Já em MyBrainTrainer's
(http://mybraintrainer.com), o foco é na velocidade de
raciocínio. No teste gratuito,
você é convidado a responder
"sim" ou "não" para a combinação entre uma palavra e um desenho. Quando o programa diz
"reversal", é preciso responder
ao contrário. O diagnóstico, repleto de comparações com os
obtidos pelos outros 6.000
usuários, informa como está o
seu desempenho em relação à
média e o convida a aprimorá-lo em 21 dias.
Há também sites que trazem
os chamados "jogos cerebrais".
Em www.gamesforthebrain.com, o internauta encontra
gratuitamente mais de 30 opções deles. O mais famoso é o
sudoku, game de raciocínio em
que o jogador precisa elaborar seqüências de números em um grande quadro -como aquele
utilizado nas palavras cruzadas- de
forma que eles não
se repitam nas posições horizontal e
vertical. Outros jogos, também disponíveis no "Games
for the Brain", lembram diversões já conhecidas, que as
crianças fazem no papel até hoje, como o
"what word". Ele é parecido com o antigo jogo
"forca", em que o jogador recebe dicas para
tentar adivinhar qual é a
palavra secreta.
Entre os sites brasileiros, o despretensioso Rachacuca (www.rachacuca.com.br) tem jogos simples, também gratuitos, que
exigem raciocínio e atenção.
Não há promessa de tornar o
internauta mais inteligente.
Também mais voltado à diversão está o www.gratisjogos.com.br/raciocinio-e-escape.php. O diferencial são os cenários e as situações. Estratégias
de fuga e cálculos para desarmar bombas antes de o tempo
preestabelecido acabar estão
entre os jogos oferecidos.
Apostas
A falta de pesquisas científicas que comprovem os benefícios dos chamados "jogos cerebrais" não impede que alguns
profissionais da área de games
apostem neles como grandes
aliados em variados aspectos da
saúde mental.
Eles se baseiam em experiências feitas por pesquisadores
com a utilização de questionários ou por observação de jogadores. "Há alguns sinais de que
esses jogos exercitam a mente,
mas, realmente, não são evidências biológicas. O que notamos é uma menor incidência de
perda de raciocínio cognitivo
entre as pessoas que jogam esse
tipo de game quando comparadas àquelas que não jogam", afirma Ben Sawyer, fundador
da "Games for Health" (Jogos
para a Saúde), associação de
Washington que tem o objetivo
de unir pesquisadores, médicos
e empresas produtoras de games que queiram compartilhar
informações sobre o impacto
dos jogos na saúde.
Em entrevista à Folha, Sawyer reconhece que ainda faltam
estudos nessa área e prevê que
os primeiros resultados concretos devem ser alcançados
em um prazo mínimo de dez
anos. "Já temos alguns estudos
que indicam, por exemplo, um
certo aumento da capacidade
de memória em quem joga.
Mas deve levar aproximadamente uma década até que esse
e outros efeitos sejam comprovados biologicamente ou não",
diz. Sawyer defende o estudo
do uso de jogos de lógica no tratamento de doenças que envolvam envelhecimento do cérebro, incluindo o Alzheimer e
outras formas de diminuição
de capacidade de cognição.
Também na área da observação, a forma como a cognição
do ser humano pode -ou não-
evoluir com o videogame é tema da tese de Roger Tavares,
professor do curso de pós-graduação em games do Senac de
São Paulo. Para ele, as pessoas
que começam a jogar com freqüência apresentam uma característica comum, que pode
indicar um ponto de partida
para os estudos nessa área.
"Quanto mais elas jogam,
mais querem jogar e, a cada
vez, em estágios mais complexos", diz o professor, levantando a hipótese de que o cérebro,
depois de se "acostumar" a desenvolver determinadas conexões, sente a necessidade de
criar outras, aumentando o seu
repertório de habilidades.
Para atrair os "gamemaníacos" que apostam na eficiência
do desenvolvimento de determinadas áreas do cérebro com
a utilização dos jogos, as empresas da área começaram a
multiplicar problemas de lógica dentro dos enredos de jogos
que, anteriormente, não tinham essa característica.
Com isso, mesmo o jogador
que deixa a internet de lado para se divertir nos games do seu
console preferido pode se deparar com a necessidade de fazer um cálculo ou de desvendar
uma senha complexa antes de
entrar para a próxima fase de
um jogo de tiro, por exemplo.
Um estilo de diversão que, até
pouco tempo, não costumava
trazer esse tipo de desafio.
Memória e qualidade
No programa que coordena
com idosos portadores da
doença de Alzheimer no Hospital Universitário de Brasília,
Sérgio Leme da Silva defende
que o estímulo seja contextualizado, personalizado e não tenha como meta a retomada da
capacidade de memorizar.
"Muitas vezes, aperfeiçoar a
memória não é a principal
questão. O importante é trazer
qualidade de vida para aquele
paciente. A estimulação cerebral por atividades como o relato de lembranças e a associação
de cores leva a isso", explica.
As ilustrações utilizadas nesta reportagem foram retiradas do livro "101 Maneiras de Melhorar sua Memória".
Editora: Seleções Reader's Digest
Quanto: R$ 119,80 (352 págs.)
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