São Paulo, terça-feira, 26 de outubro de 2010
Texto Anterior | Índice | Comunicar Erros

ROSELY SAYÃO

As festinhas e a coerência


Quem conhece crianças sabe que quando elas formam um agrupamento tudo pode acontecer

AS CRIANÇAS têm uma intensa vida social na atualidade. As festas de aniversário de "amiguinhos" da escola tornaram-se uma obrigação social que eles não querem deixar de cumprir.
Todo santo mês há pelo menos um convite para uma delas, quando não dois ou três. Invariavelmente, essas festas são realizadas nos bufês infantis e em horário bem sincronizado com o início ou com o final do turno escolar.
E há um detalhe muito importante nesta história: as crianças não vão acompanhadas de seus pais.
Quem tem filhos com menos de 11 anos ou trabalha em escola com essas crianças sabe como a coisa funciona.
Primeiramente, o aniversariante leva os convites da sua festa para serem distribuídos entre os colegas.
Os pais dos convidados precisam, no caso de a festa ser após as aulas, providenciar uma autorização para que o seu filho possa sair da escola sob a responsabilidade de outras pessoas e, então, embarcar em vans, micro-ônibus ou carros de pais e parentes do aniversariante rumo ao local da festa.
Lá chegando, além dos tradicionais salgados, refrigerantes, doces e bolo presentes em todas as festas de aniversário, as crianças encontram também inúmeras outras diversões.
São brinquedos eletrônicos dos mais variados tipos, monitores que propõem uma variedade incrível de atividades, personagens conhecidas das crianças passeando pelo espaço e disponíveis para brincar, escorregador, balanço, piscina de bolas coloridas etc. Ah! Também costuma ter palhaço, mágico e tudo o mais que se possa imaginar.
As crianças se entregam: correm, gritam, jogam coisas uns nos outros e tentam driblar os organizadores para comer o famoso brigadeiro antes de cantar o tradicional "parabéns a você" -que é a senha para liberar a mesa de doces e do bolo.
Os monitores tentam fazer o que podem para conter e entreter a criançada, mas vamos convir: essa é uma tarefa bem difícil para quem não tem com essas crianças nenhum vínculo de autoridade.
E aí está a questão central de nossa reflexão de hoje: como é que os pais, hoje tão preocupados com a segurança e o bem-estar dos seus filhos, permitem que eles frequentem festas desse tipo sem levar em conta algumas questões importantes?
Em primeiro lugar não consideram, quando assinam a autorização de saída, que o filho pode não respeitar as orientações dos adultos que o acompanharão, e que isso pode resultar em situações de risco. No mundo atual, quase todos os adultos ensinam às crianças que elas não devem obedecer qualquer adulto e sim apenas alguns deles, não é mesmo?
Em segundo lugar, os pais também não atentam para o fato de que nessas situações são muitas crianças acompanhadas por poucos adultos, tanto no trajeto quanto na festa e, quase sempre, acompanhados por adultos desconhecidos de seu filho.
Quem conhece crianças sabe que, quando elas se agrupam, tudo pode acontecer. A aglomeração de crianças frente a muitas atividades diferentes é uma bomba prestes a explodir a qualquer momento. Resultado? Imprevisível.
Não é contraditório o fato de que os mesmos pais que comparecem à escola para reclamar que os trabalhadores do espaço escolar não viram o filho apanhar do colega, ser empurrado ou excluído do grupo ou que vivem controlando os passos dos filhos liberem a criança para ir a um evento desse tipo?
Identificar as pressões que atuam nessa hora pode permitir aos pais que, em vez de esquecerem todas as preocupações que têm cotidianamente com a segurança dos filhos, eles possam manter a coerência e o bom senso na tarefa de formação dos mais novos.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)


Texto Anterior: Acessibilidade: Visão, tato, olfato
Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.