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outras idéias
thereza soares pagani (therezita)
O brinquedo para reinventar o mundo
Justamente por não ser sério, o brinquedo se torna tão importante.
É a não-seriedade que dá seriedade ao brinquedo!
Quero convidá-lo a refletir e a trabalhar ludicamente as emoções. Vamos analisar alguns aspectos peculiares do brinquedo. As crianças,
nesse assunto, têm mais a nos ensinar do que a aprender. Elas mostram que uma das maiores qualidades do brinquedo é a sua não-seriedade,
porque ele permite fazer brotar a fantasia e a imaginação. Justamente por
não ser sério, ele se torna tão importante. É a não-seriedade que dá seriedade
ao brinquedo!
Felizmente, as crianças fazem do brinquedo uma ponte para o imaginário,
um meio pelo qual externam suas criações, suas emoções. O brincar ganha,
então, densidade: traz segredos e comporta leituras mais profundas, vivas, ricas em significado. Assim, elas aplicam no brinquedo toda a sua sensibilidade para duvidar daquilo que é dado, daquilo que é aparente. Brincando, a
criança nega o empirismo comum dos adultos: aquilo que é não é! Por exemplo, um carrinho não é apenas um carrinho, transforma-se em tudo aquilo
que a sua imaginação quiser.
As crianças captam desde cedo, com aguçada e refinada sensibilidade, uma
das dimensões do real, mas que não é o real. Com essa descoberta, viajam e
vão muito além do mundo das aparências. Sentindo e explorando o mundo
nos mínimos detalhes, elas sonham e exercitam todos os seus sentimentos
com os brinquedos -e nada escapa à curiosidade da criança. Assim, negando o significado aparente do brinquedo, a criança nega também a interpretação do adulto.
E nós, adultos, como devemos nos comportar diante da criança com o seu
brinquedo? Em primeiro lugar, o espaço onde elas brincam não deve ser
marcado por um clima sisudo, tenso, severo e cauteloso, pois os canais da expressão inventiva estariam obstruídos e o brinquedo perderia a sua graça e o
seu sentido mais profundo.
Como fazer para o professor, a recreacionista, os pais e as babás reaprenderem a brincar, a criar, a fazer novos brinquedos? Estou convicta da importante missão educativa da escola no que se refere aos espaços oferecidos, às atividades lúdicas e aos manuais ligados ao brinquedo.
Será que as escolas e as famílias em geral não têm reforçado, no plano cultural, as mesmas discriminações que ocorrem no nível socioeconômico?
Quantos raros espaços tomam iniciativas de propor atividades artísticas ou,
simplesmente, atividades manuais e acabam não sendo entendidos, caindo
no descaso, na bagunça, no desperdício de material que só servem ao desestímulo? Assim se instala o preconceito contra o fabuloso universo da produção manual e da criação alegre.
Toda criança gosta de ter incorporada -seja na escola, seja em casa- a
experiência rica do fazer artesanal dos brinquedos. Porém, no âmbito familiar, esse tipo de manipulação dos brinquedos simboliza, na maioria das vezes, uma anarquia total na organização da casa.
Outro dia, um casal veio muito preocupado me pedir que demovesse a filha
única e neta primogênita de classe média alta do seu único desejo. Perguntei:
mas qual desejo? Responderam: uma caixa de areia e um balde de pedrinhas;
queria também da avó uma lata de terra e do avô outro balde, mas só o balde,
porque a água ela pegaria no tanque!
Fiquei muito feliz com a escolha da criança e mais radiante ainda quando
chegamos a um consenso sobre o presente ser comprado e organizado na pequena varanda do quarto da criança. Assim, essa feliz criança passou meses
brincando e levando da escola pedaços de madeira, folhas e latinhas! Ela pôde criar seu espaço interno e externo sem revolucionar a ordem e a limpeza
da casa, respeitando as normas domiciliares de "cada coisa em seu lugar".
Todos se deram conta de que qualquer atividade manual é também uma
atividade intelectual. Uma pipa no ar, uma boneca de pano confeccionada,
um trenzinho de lata ou de caixa de fósforo, um caminhão de madeira, um
tambor de lata, uma sacola de papel e uma máscara de pano velho ou de caixa. Todos esses brinquedos simples e lúdicos continuam fazendo alarde no
mundo infantil, pondo a boca no trombone e reivindicando seus espaços de
seriedade.
Cada criança, essa pequena artesã, aprende a transformar os materiais, a
reciclá-los para amanhã modificar o texto como um ator, a palavra tal qual
um escritor, o verso como um poeta, as descobertas nas mãos do cientista e
daí as teorias!
Eis a criança, o futuro adulto que o mundo preconiza, deseja e espera!
THEREZA SOARES PAGANI ("Therezita") é educadora e diretora da Tearte, escola de educação infantil; e-mail: tepagani@uol.com.br
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