|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
foco nele
'Tratar obeso com hormônio é aberração'
FREE-LANCE PARA A FOLHA
"Há mais de 200 substâncias usadas hoje no país para tratar a obesidade. Apenas
sete medicamentos têm comprovação
científica, e somente dois são recomendados como de primeira linha." A declaração é do endocrinologista e presidente
do Conselho Deliberativo da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade), Walmir Coutinho.
Segundo ele, há médicos utilizando recursos "inaceitáveis", como a prescrição
de hormônios, para satisfazer os pacientes "que querem obter um resultado mágico". O endocrinologista esteve em São
Paulo na semana passada para ministrar
o curso que criou, destinado a médicos,
com o objetivo de atualizar o conhecimento deles sobre obesidade. "A estratégia do tratamento mudou muito. Mas, na
cabeça das pessoas, ainda existe essa busca da coisa rápida e fácil", diz Coutinho.
Leia a entrevista abaixo.
Folha - A obesidade é um problema hoje
no Brasil?
Walmir Coutinho - Sim. Cerca de 40% da
população brasileira está acima do peso
ideal, o que coloca o Brasil em sexto lugar
no ranking mundial da balança. Na faixa
etária dos 50 a 60 anos, os índices de sobrepeso no país sobem para 60%. Entre
crianças e adolescentes, a obesidade também tem crescido de forma alarmante.
Enquanto nos Estados Unidos ela aumentou 66% nas duas últimas décadas,
no Brasil, o aumento foi de 240%. Associações médicas calculam que a obesidade cause cerca de 300 mil mortes por ano
nos Estados Unidos, 200 mil na América
Latina, e 80 mil no Brasil (20 vezes mais
do que a Aids).
Folha - O que está errado no tratamento
para a obesidade no Brasil?
Coutinho - Há mais de 200 substâncias
usadas hoje no país para tratar a obesidade. A maioria são suplementos nutricionais, como vitaminas e fitoterápicos. Não
há nenhuma comprovação científica de
que funcionem. Há apenas sete medicamentos que têm comprovação científica.
Dois são recomendados como tratamento de primeira linha pelo Consenso Latino-Americano de Obesidade: a sibutramina e o orlistat. Além desses, há outros
cinco que têm eficácia comprovada. Três
deles são inibidores de apetite, que antigamente eram chamados de anfetamínicos; eles podem causar dependência, então são reservados para pacientes que
não podem comprar os remédios mais
seguros ou que não respondem bem a
eles. Os outros dois são antidepressivos.
Só que se percebeu depois de um tempo
que, mesmo se a pessoa continua tomando o remédio, ela acaba recuperando o
peso.
Folha - E o uso de drogas para perder peso rápido?
Coutinho - Essas drogas são à base de
hormônios para a tireóide. Esse tipo de
tratamento é condenado há mais de 20
anos no mundo, mas há médicos que
ainda o utilizam. Eu considero isso uma
aberração. Esses remédios podem causar
problemas sérios de tireóide. O seu uso é
um exemplo de mau tratamento da obesidade. É rotina atender casos de pessoas
que já usaram esses medicamentos. Elas
vão em busca de um emagrecimento rápido e fácil e acabam tomando hormônio
para a tireóide. A pessoa emagrece rápido, e depois, quando pára de tomar, engorda mais do que antes. Muitas vezes o
paciente não sabe que está tomando hormônio. Já detectamos casos em que a receita foi passada em código para a farmácia de manipulação e nem o paciente sabia o que estava tomando.
Folha - Por que o médico receita hormônio?
Coutinho - Porque existe uma expectativa do paciente de obter um resultado mágico. O obeso quer emagrecer muito e rápido. Hoje se propõe a perda de dois a
quatro quilos por mês como uma média
ideal de emagrecimento. E a pessoa não
precisa necessariamente chegar ao peso
ideal. Ela precisa chegar ao seu estado de
equilíbrio. Isso trará uma melhora muito
boa para o paciente. A estratégia do tratamento mudou muito. Mas na cabeça das
pessoas ainda existe essa busca da coisa
rápida e fácil. Então, para tentar satisfazer esse objetivo do paciente, o médico
acaba usando esse recurso, que é inaceitável.
Folha - Por isso um curso para médicos?
Coutinho - A maioria dos médicos desconhece as mudanças nas estratégias para tratar a obesidade. É preciso informar
que não é bom fazer uma pessoa perder
de sete a dez quilos por mês.
Folha - Os médicos são desinformados?
Coutinho - Uma grande parcela deles
sim. É um consenso: precisa-se investir
na educação dos médicos. Por outro lado
há alguns dos melhores especialistas do
mundo no país, com larga experiência,
mas eles são minoria. Já realizamos cursos em duas cidades, Rio de Janeiro e
Porto Alegre, e vamos realizar em outras
três, São Paulo, Recife e Belo Horizonte.
Folha - Como fugir da desinformação dos
próprios médicos?
Coutinho - O importante é seguir alguns
conselhos práticos: nunca usar remédio
ou fórmula sem saber exatamente o que
está contido ali; não aceitar receitas em
códigos ou ilegíveis; nunca tomar remédio sem acompanhamento médico -há
muita gente que passa no médico uma vez, pega a receita e toma o remédio por
conta própria. É preciso também mudar a expectativa: um emagrecimento bom
não é um emagrecimento rápido.
Texto Anterior: O que previne crises Próximo Texto: Quem é ele Índice
|