São Paulo, quinta-feira, 27 de junho de 2002
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'Tratar obeso com hormônio é aberração'

FREE-LANCE PARA A FOLHA

"Há mais de 200 substâncias usadas hoje no país para tratar a obesidade. Apenas sete medicamentos têm comprovação científica, e somente dois são recomendados como de primeira linha." A declaração é do endocrinologista e presidente do Conselho Deliberativo da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade), Walmir Coutinho.
Segundo ele, há médicos utilizando recursos "inaceitáveis", como a prescrição de hormônios, para satisfazer os pacientes "que querem obter um resultado mágico". O endocrinologista esteve em São Paulo na semana passada para ministrar o curso que criou, destinado a médicos, com o objetivo de atualizar o conhecimento deles sobre obesidade. "A estratégia do tratamento mudou muito. Mas, na cabeça das pessoas, ainda existe essa busca da coisa rápida e fácil", diz Coutinho. Leia a entrevista abaixo.

Folha - A obesidade é um problema hoje no Brasil?
Walmir Coutinho - Sim. Cerca de 40% da população brasileira está acima do peso ideal, o que coloca o Brasil em sexto lugar no ranking mundial da balança. Na faixa etária dos 50 a 60 anos, os índices de sobrepeso no país sobem para 60%. Entre crianças e adolescentes, a obesidade também tem crescido de forma alarmante. Enquanto nos Estados Unidos ela aumentou 66% nas duas últimas décadas, no Brasil, o aumento foi de 240%. Associações médicas calculam que a obesidade cause cerca de 300 mil mortes por ano nos Estados Unidos, 200 mil na América Latina, e 80 mil no Brasil (20 vezes mais do que a Aids).

Folha - O que está errado no tratamento para a obesidade no Brasil?
Coutinho - Há mais de 200 substâncias usadas hoje no país para tratar a obesidade. A maioria são suplementos nutricionais, como vitaminas e fitoterápicos. Não há nenhuma comprovação científica de que funcionem. Há apenas sete medicamentos que têm comprovação científica. Dois são recomendados como tratamento de primeira linha pelo Consenso Latino-Americano de Obesidade: a sibutramina e o orlistat. Além desses, há outros cinco que têm eficácia comprovada. Três deles são inibidores de apetite, que antigamente eram chamados de anfetamínicos; eles podem causar dependência, então são reservados para pacientes que não podem comprar os remédios mais seguros ou que não respondem bem a eles. Os outros dois são antidepressivos. Só que se percebeu depois de um tempo que, mesmo se a pessoa continua tomando o remédio, ela acaba recuperando o peso.

Folha - E o uso de drogas para perder peso rápido?
Coutinho - Essas drogas são à base de hormônios para a tireóide. Esse tipo de tratamento é condenado há mais de 20 anos no mundo, mas há médicos que ainda o utilizam. Eu considero isso uma aberração. Esses remédios podem causar problemas sérios de tireóide. O seu uso é um exemplo de mau tratamento da obesidade. É rotina atender casos de pessoas que já usaram esses medicamentos. Elas vão em busca de um emagrecimento rápido e fácil e acabam tomando hormônio para a tireóide. A pessoa emagrece rápido, e depois, quando pára de tomar, engorda mais do que antes. Muitas vezes o paciente não sabe que está tomando hormônio. Já detectamos casos em que a receita foi passada em código para a farmácia de manipulação e nem o paciente sabia o que estava tomando.

Folha - Por que o médico receita hormônio?
Coutinho - Porque existe uma expectativa do paciente de obter um resultado mágico. O obeso quer emagrecer muito e rápido. Hoje se propõe a perda de dois a quatro quilos por mês como uma média ideal de emagrecimento. E a pessoa não precisa necessariamente chegar ao peso ideal. Ela precisa chegar ao seu estado de equilíbrio. Isso trará uma melhora muito boa para o paciente. A estratégia do tratamento mudou muito. Mas na cabeça das pessoas ainda existe essa busca da coisa rápida e fácil. Então, para tentar satisfazer esse objetivo do paciente, o médico acaba usando esse recurso, que é inaceitável.

Folha - Por isso um curso para médicos?
Coutinho - A maioria dos médicos desconhece as mudanças nas estratégias para tratar a obesidade. É preciso informar que não é bom fazer uma pessoa perder de sete a dez quilos por mês.

Folha - Os médicos são desinformados?
Coutinho - Uma grande parcela deles sim. É um consenso: precisa-se investir na educação dos médicos. Por outro lado há alguns dos melhores especialistas do mundo no país, com larga experiência, mas eles são minoria. Já realizamos cursos em duas cidades, Rio de Janeiro e Porto Alegre, e vamos realizar em outras três, São Paulo, Recife e Belo Horizonte.

Folha - Como fugir da desinformação dos próprios médicos?
Coutinho - O importante é seguir alguns conselhos práticos: nunca usar remédio ou fórmula sem saber exatamente o que está contido ali; não aceitar receitas em códigos ou ilegíveis; nunca tomar remédio sem acompanhamento médico -há muita gente que passa no médico uma vez, pega a receita e toma o remédio por conta própria. É preciso também mudar a expectativa: um emagrecimento bom não é um emagrecimento rápido.



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