São Paulo, quinta-feira, 27 de junho de 2002
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

coluna social

Trabalho de mãe-de-santo ajuda 10 mil

A pernambucana Marlicene Figueiredo é mãe-de-santo, repentista, escritora e "ongueira" das boas. Já publicou um livro com sua autobiografia, e um próximo de auto-ajuda está no forno. Suas ações são tão impressionantes quanto sua história. Saiu do sertão de Pernambuco com a família em um caminhão de pau-de-arara, aos oito anos de idade, direto para debaixo de uma marquise, sua primeira moradia no Rio de Janeiro. Mãe de três filhos, abandonada pelo marido, ela foi morar numa garagem.
"Passei fome e sofri muito, mas não guardo raiva de nada", diz. Mãe-de-santo super-requisitada, passou a questionar o sacrifício de animais e chegou à conclusão de que santo não come. Decidiu montar uma ONG, a Instituição de Caridade e Integração São Cipriano, para alimentar as pessoas com comida e idéias.
Em dez anos, a ONG já ofereceu cursos profissionalizantes para dez mil meninas que sofreram violência. Uma das iniciativas que mais se destacou foi o curso de bijuterias. Os "mimos" feitos de miçangas, sementes e pedras foram parar nas lojas Bon Marché e Ventillo, em Paris, na Agnès B, em Paris e Nova York, na Daslu e no MAM (Museu de Arte Moderna), em São Paulo, e na loja Parceria Carioca, no Rio. Leia a entrevista abaixo.

Folha - Como a senhora começou a fazer trabalhos sociais?
Marlicene Figueiredo - Como orientadora espiritual, percebi que alguns problemas eram sociais, e não espirituais. Decidi que, em vez de sacrificar animais em oferendas para os santos, iria dar comida para meninas que estavam vendendo o corpo, cheirando, virando mulher de bandido. Então criei a ONG Instituição de Caridade e Integração São Cipriano, no terreno do centro espírita, e passei a atender quem me procurava atrás de orientação espiritual. Eu não queria dar o peixe, mas ensinar a pescar. Comecei com cursos de datilografia, computação, corte e costura e cabeleireiro. Depois veio o de miçanga, que existe há quatro anos e é um sucesso. Já passaram por aqui mais de 10 mil meninas em situação de risco e de violência, situações delicadérrimas. No início, quando a ONG era financiada pelo BID (Banco Internacional de Desenvolvimento), por determinação deles os cursos duravam três meses. Hoje os cursos duram seis meses para dar mais tempo para trabalhar as meninas.

Folha - Quais problemas elas enfrentavam?
Marlicene - Elas foram lançadas de qualquer forma no mundo. A mãe já as xingou antes de elas nascerem, bateu na barriga para ver se abortava. Quanto sofrimento aquela criança viveu dentro do berço uterino! Quantas meninas a gente já tirou de formigueiros, porque a mãe colocava elas lá para as formigas comerem. Já pegamos meninas que são violentadas, queimadas pela mãe, agredidas... Teve uma que a mãe quebrou a cabeça dela. Tem menina que, antes de vir para cá, prostituía-se por R$ 3. Uma delas vinha da prostituição para o curso.

Folha - E como são esses cursos?
Marlicene - No de computação, os alunos são avaliados toda semana para ver se aprenderam. Nós não trabalhamos com reprovação. Dos cursos de cabeleireiro, manicure e pedicuro, as meninas saem como auxiliares de cabeleireiro ou podem ficar aqui trabalhando como ajudantes. As meninas que saem percebem que podem ganhar dinheiro sem virar "avião" vendendo papelote de droga. Elas se valorizam e se sentem cidadãs. Temos um quiosque no West Shopping doado para a ONG vender as roupas e as bijuterias confeccionadas aqui. Também organizamos palestras de cidadania para falar sobre direitos e deveres, drogas, sexualidade.

Folha - Como a senhora lida com o problema das drogas?
Marlicene - Eu não proíbo. Vou conversando até a menina largar por ela mesma. Teve o caso de uma que vinha para cá com maconha e cocaína. Com amor, fui conversando até que ela jogou tudo no vaso e deu a descarga. Pensa o que vai no vaso, só coisa que não presta, né?


Contato: tel. 0/xx/21/3384-3055. As bijuterias são vendidas nas lojas do MAM (0/xx/11/5549-9688), e na loja Parceria Carioca (0/xx/21/2259-1437).


Texto Anterior: Onde
Próximo Texto: Heroína
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.