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ROSELY SAYÃO
Tão longe, tão perto
Os pais nunca declararam amar tanto os filhos quanto agora.
Eles fazem tudo o
que podem e o que às vezes
nem devem porque, por amarem tanto os filhos, não suportam vê-los sofrer. Esforçam-se
para dar a eles o melhor da vida
porque querem que os filhos tenham tudo o que eles próprios,
quando crianças, não tiveram.
Estabelecem com os filhos um
relacionamento aberto, íntimo
e amigável porque não querem
ser autoritários e distantes como foram seus pais. Enfim: os
pais estão, hoje, apaixonados
pelos filhos.
É compreensível: em um
mundo no qual os laços afetivos
entre os adultos estão sempre
por um fio e se desfazem por
qualquer bobagem, o clima de
insegurança afetiva provoca
novas buscas. Como a união
com os filhos é a única que,
atualmente, só a morte dissolve, ela tem servido como o porto seguro afetivo dos pais.
Para ter idéia de quão longe
isso vai: uma diretora de escola
de educação infantil no interior
de São Paulo contou-me que,
no Dia dos Namorados, vários
ramalhetes de flores enviados
pelos pais às filhas chegaram à
escola. O problema está nas
contradições que esse amor declarado tem apresentado.
Os pais que adoram tanto
seus filhos contratam babás para ficar com eles diuturnamente, inclusive domingos e feriados. Vemos pais cujos filhos estão segurando nas mãos da babá ou no colo desta nos shoppings, nos cabeleireiros, nos
consultórios, em hotéis, restaurantes etc. E ter babá dá muito
trabalho! É seleção, busca de
referências, treinamento e depois, se surgirem desconfianças, instalação de câmeras etc.
Mães e pais que dizem amar
seus filhos sem medida fazem
com que novos negócios prosperem em tempos de recessão.
Os pais vão a um casamento
com os filhos? Não há problema. Os noivos contratam empresas de recreação que ficam o
tempo todo com as crianças,
para que os pais "curtam a festa
sem restrições". Nas férias, os
hotéis precisam ter uma equipe
de monitores que, além de entreter as crianças, também almoça e janta com elas.
Por falar em férias, acampamentos para crianças rendem
no período. Até pouco tempo
atrás, eles recebiam só adolescentes. A demanda dos pais fez
com que proliferassem locais
que recebem crianças pequenas: os pais já podem mandar
seus filhos a partir dos quatro
anos (!) para uma temporada
fora, com direito a "espiar" pela
internet como eles se divertem!
Quando o filho faz aniversário e os pais querem demonstrar todo seu amor dando uma
megafesta, sem problemas:
contratam um bufê que cuida
de tudo. E a escola, para ajudar,
recebe autorizações de saída e
organiza os convidados para
colocá-los no ônibus que os leva da escola para o evento.
A falta de tempo dos pais tem
sido usada para explicar tantas
buscas de recursos. Mas esse
estilo tem muito mais a ver com
a nossa cultura. Amor demais
sufoca e idealiza. Pode ser por
isso que os pais apresentem
tanta contradição: amam tanto
a idéia de ter o filho que precisam ficar longe dele para, talvez, não perderem o filho que
imaginam ou gostariam de ter.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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