São Paulo, quinta-feira, 28 de junho de 2007
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

família

Efeito supernanny

Cresce a oferta de babás com formação em pedagogia ou psicologia; especialistas discordam da necessidade de curso superior e dão dicas para escolher os cuidadores dos filhos

Caio Guatelli/Folha Imagem
Carlos Eduardo Sousa na escola Clube do Mickey, em São Paulo, que tem serviço de hotelzinho para os alunos


FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL

Q uando decidiu contratar uma babá para ficar com seu filho Cauê, na época com dois anos, a orientadora pedagógica Anna Cristina Cardoso, 38, entrevistou várias candidatas. Após conversar com uma delas, decidiu fazer algumas concessões (como pagar um pouco a mais) por um diferencial que considerou importantíssimo: além de preencher requisitos indispensáveis como ser carinhosa e gostar de crianças, Aparecida de Fátima Leite, 40, tem magistério e está cursando pedagogia.
"Ela foi a que me deu mais segurança. Como trabalhou muito tempo em escolas, tem uma preocupação que vai além dos cuidados físicos. É esclarecida, não fala errado e sabe conduzir bem a questão dos limites", diz Anna Cristina. Hoje, Fátima cuida também da irmã de Cauê, Marina, de quatro meses.
Antes de trabalhar na casa da família, ela já tinha sido babá durante quatro anos. "Sempre gostei muito de crianças. Numa época em que a escola onde eu trabalhava diminuiu a carga horária, decidi unir o útil ao agradável e comecei a cuidar de um bebê", conta ela, que acredita que a pedagogia "amplia seus horizontes" como babá.
A pedagoga gaúcha Fernanda Tagliassuchi, 30, é da mesma opinião. Ela, que faz pós-graduação em psicomotricidade, atua como babá de crianças com necessidades especiais há dois anos. "Vi que havia a demanda de alguns pais, que querem sair para jantar ou fazer uma viagem e não têm profissionais habilitados com quem deixar os filhos. Gosto de crianças especiais e minha formação me dá um diferencial para trabalhar com elas", diz.
Além de ajudar nas atividades diárias -banho, alimentação, organização de quarto-, Fernanda pode acompanhar a criança numa consulta médica ou levar para passeios, por exemplo. A negociação do preço é feita pelo turno de quatro horas, uma noite ou um fim de semana. Hoje, ela faz atendimento pedagógico numa escola em Curitiba, onde mora, e cuida de uma criança de nove anos com deficiência mental leve nos fins de semana.
Casos como o de Fátima e o de Fernanda não são a regra, mas estão se tornando mais comuns com a crescente profissionalização e diversificação do mercado que oferece opções para resolver um velho dilema: onde deixar os filhos enquanto os pais trabalham. A multiplicação dos cursos para babás -que incluem noções de nutrição, primeiros socorros, recreação, etiqueta e administração do tempo- e a proposta de regulamentação da profissão -um projeto de lei que estabelece direitos e deveres para a categoria- são exemplos desse fenômeno. O surgimento dos hoteizinhos infantis -onde a criança pode ficar só por algumas horas ou por um fim de semana- vai na mesma linha.
"O nível das babás está melhorando muito. Temos várias com curso superior em pedagogia ou psicologia", diz a psicóloga Regina Elia, diretora da Escola Psicológica Regina Elia, que capacita cuidadores de crianças. Segundo ela, as que têm curso superior geralmente trabalham como folguistas (durante as folgas da babá regular) ou como "babysitters" e não aceitam dormir na casa -solicitação ainda muito comum, segundo as diretoras de agências de babás.
De acordo com Elia, os pais que exigem profissionais muito qualificadas têm classe socioeconômica e grau de escolaridade elevados. Muitos viajam com freqüência e querem que o filho conviva com alguém preparado. "As crianças aprendem por imitação, e as babás são modelos de educação para elas. Esses pais esperam alguém que não só cuide dos filhos mas que leve em conta os aspectos psicológicos", afirma.
Ela conta que há mães que contratam a babá antes de o filho nascer, para que ela se adapte à rotina da casa. E que as profissionais com mais de 40 anos, antigamente pouco aceitas, estão sendo hoje mais requisitadas. "São pessoas mais maduras, que têm a vida definida, não vão largar o emprego para casar ou ter filhos. O mercado está abrindo espaço para elas."

Novidade
Daniela Chaves, sócia da Tramit Brasil, que agencia e qualifica babás, diz que o aparecimento das babás com curso universitário é recente e que conhece poucas com o perfil. "A porcentagem de profissionais formadas é pequena. Dessas, o mais comum é encontrar enfermeiras." Geralmente, quem busca essas profissionais são pais de primeira viagem que se sentem inseguros em relação aos cuidados com o bebê nos primeiros meses.
Chaves diz que tem aumentado a procura pelo serviço de qualificação e agenciamento de babás. "Há cinco anos, as pessoas tinham mais confiança para contratar só por indicação."
Para o pediatra Ricardo Halpern, presidente do departamento de saúde mental da Sociedade Brasileira de Pediatria, não há necessidade de contratar uma enfermeira a não ser que a criança precise de cuidados profissionais, como no caso de uma doença crônica. Ele também afirma que babás pedagogas ou psicólogas não são necessárias. "O importante é o afeto que essa pessoa pode oferecer e a capacidade de entender as necessidades da criança. Não precisa de um curso superior para isso", opina.
A psicóloga Angela Clara Correa, diretora técnica da Unire Desenvolvimento Humano, também não considera essa formação importante e diz que desconfia quando recebe candidatas a babás psicólogas ou pedagogas. "É um trabalho difícil, que exige dormir no emprego. Fico com o pé atrás, pois não foi para isso que ela estudou. Os pais querem uma pessoa carinhosa e brincalhona. Sobre a formação, muitos exigem segundo grau e só."
Para a psicopedagoga Sílvia Amaral, membro da diretoria da Associação Brasileira de Psicopedagogia, curso superior não é fundamental, mas qualificação, sim. "Existia até há pouco tempo uma despretensão em relação a isso, uma idéia de que essas funções não precisam de qualificação. É um erro. Uma babá precisa ter formação. As pessoas acham que tudo é a prática, mas o estudo deve ser valorizado", acredita.

Decisão difícil
Babá, enfermeira, creche ou casa de parentes? Segundo os especialistas, não há uma opção ideal que valha para todas as famílias. "Todas têm prós e contras [leia alguns na pág. 8]. O importante é que ela seja avaliada com o tempo necessário para que cada família tome a melhor decisão", diz Halpern.
A creche, por exemplo, proporciona a possibilidade de socialização com outras crianças e oferece um cuidado mais institucionalizado, o que, em tese, traz mais segurança. No entanto, há estudos que mostram que crianças que freqüentam esses locais têm mais infecções respiratórias. Por outro lado, diz o médico, essas infecções também podem ocorrer em casa. "Temos de pesar o custo/benefício de deixar uma criança 'longe' das infecções respiratórias, mas com uma pessoa que não tenha relação afetiva com ela. Outra questão é quando a babá tem outros afazeres, como cuidar da casa ou cozinhar, e a criança só acompanha essas funções, sem ser estimulada", pondera Halpern.
Sobre os hoteizinhos, ele acredita que só valem a pena se houver algum vínculo com a criança, como quando estão ligados à creche que elas freqüentam -caso da maioria dos estabelecimentos do tipo.
Quando estão ligados à escolinha da criança, a psicóloga Sílvia Amaral considera os hotéis infantis uma melhor opção do que deixar com "babysitters". "Se for contratar uma 'babysitter', tem que ser alguém conhecido ou indicado por uma empresa muito idônea."
Ela lembra que muitas famílias preferem deixar os filhos na casa de parentes, pela confiança que têm no vínculo entre o cuidador e a criança. Mas alerta que os pais devem preservar a autoridade e a autonomia, para que não haja interferência excessiva do familiar na vida da criança. "Deve ficar claro para os pais que a responsabilidade pela educação é deles. Mesmo quando trabalham muito, eles não podem abrir mão da sua autoridade. Quando chegam em casa, têm de exercer esse papel", afirma.
E nem sempre a culpa é dos parentes -os avós, por exemplo, são muito acusados de mimarem os netos. "Alguns pais se acomodam e delegam para o outro a responsabilidade. Muitos fazem isso também com as escolas: atribuem a elas uma autoridade que não é de sua competência", diz Amaral.
A psicóloga sugere ainda que os pais reservem um tempo para estar a sós com os filhos. "Mesmo que tenham quem cuide, eles devem curtir a criança."

Superavó
Marcia Arlete Lambert, 65, é uma superavó: cuida dos cinco netos, com idades de 11 meses a 15 anos, enquanto os pais trabalham. A mais nova fica com ela por meio período, quando não está no berçário. A mãe, a professora Marciley Lambert Nikolaus, 39, diz que nem chegou a pensar em contratar uma babá. "Não conhecemos ninguém de confiança. Pensei em deixar o dia todo no berçário, mas minha mãe ficou com dó."
Ela diz que já teve pequenas diferenças no jeito de criar a menina, mas que não dá conflito porque em geral a avó coloca limites. "Minha mãe dava muita bolacha e pão para ela morder. Eu não queria e pedi para ela tomar cuidado. De resto, ela é bem firme, tem hora para comer, hora da lição..."
Segundo Halpern, não há situação perfeita, mas as crianças devem ser apresentadas ao mundo em pequenas doses, e o contato com outras pessoas, além dos pais, faz parte desse processo. "O importante é que essa experiência seja construída de forma tranqüila. A adaptação ao mundo também depende desses contatos."

[...] mesmo que tenham quem cuide da criança, os pais devem reservar um tempo para ficar a sós com ela


Texto Anterior: Saúde: A fúria é prejudicial à saúde
Próximo Texto: Com quem deixar as crianças?
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.