São Paulo, quinta-feira, 28 de agosto de 2008
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SAÚDE

Não é coisa da sua cabeça

Novas pesquisas investigam o uso de células-tronco para tratar da calvície e apostam no desenvolvimento de testes genéticos para possibilitar o diagnóstico precoce

Henrique Manreza/Folha Imagem
O jornalista Marcelo Tas, que percebeu que os fios estavam rareando aos 27 anos


IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Podem ser fios demais caídos no travesseiro. Ou fios de menos percebidos na cabeça ao se olhar no espelho. No fim das contas, o resultado é o mesmo: você está perdendo cabelo.
E não está sozinho. "A calvície atinge 50% da população masculina", diz o dermatologista Ademir Carvalho Leite Jr., membro da IAT (associação internacional de tricologia, na sigla em inglês) e autor de "Socorro, Estou Ficando Careca" (ed. MG, 120 págs., R$ 26,90).
Entre as mulheres, a situação não é muito melhor. Embora a calvície propriamente dita (rarefação capilar de origem genética) atinja cerca de 5% delas, estima-se que metade da população feminina sofra perda e diminuição de fios na vida adulta, segundo Valcenir Bedin, presidente da Sociedade Brasileira para Estudos do Cabelo.
Se tanta companhia não vale como consolo, a vantagem de ter muita gente sofrendo com o problema é que isso estimula as pesquisas científicas. "Há equipes estudando o uso de células-tronco para tratamento da calvície", conta Leite Jr. Também já foi descoberto que são oito os pares de genes envolvidos no crescimento dos cabelos, segundo Bedin, o que abre possibilidades à pesquisa genética.
"Entre as perspectivas, está o desenvolvimento de testes genéticos para diagnóstico da alopecia androgenética [ausência de cabelos provocada pela interação entre os genes herdados e os hormônios masculinos]. O teste poderá determinar o risco e os graus de calvície antes de sua manifestação, permitindo o tratamento precoce", diz Arthur Tykocinski, dermatologista da Santa Casa de São Paulo e presidente do 16º Congresso Internacional de Transplante Capilar, que será realizado no início de setembro em Montréal (Canadá). Tykocinski aponta ainda, entre as novidades na área, os estudos para uso de robôs no processo de transplante de cabelos.
Além da alta tecnologia, Luciano Barsanti, diretor do Instituto do Cabelo e membro do American Hair Loss Council, vê boas perspectivas no uso de substâncias naturais para tratar o problema. "Alguns ativos de plantas estão sendo utilizados com resultados bastante interessantes", afirma. Entre eles, o extrato de chá verde, que tem demonstrado uma ação antifúngica (ajuda a tratar micoses no couro cabeludo, intensificadoras da queda), e o extrato de "ho-show-wu", raiz chinesa que, segundo Barsanti, além de ser antimicrobiana, parece também agir como bloqueador de DHT. A sigla refere-se à dihidrotestosterona, derivado da testosterona ligado à alopecia androgenética.
As perspectivas são boas, mas ninguém deve esperar milagres. "Ainda não existe nada para fazer nascer cabelo. É possível diminuir a rapidez da queda e aumentar um pouco o calibre dos fios, mas não a densidade [número de fios por cm2]", diz Cid Yazigi Sabbag, dermatologista do Hospital Ipiranga (SP) e da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Todo mundo nasce com um número de folículos capilares, de onde saem os fios de cabelo. Na calvície, os fios sofrem um processo de miniaturização e, com o tempo, o bulbo capilar vai se atrofiando. Os tratamentos atuam quando o bulbo ainda não está atrofiado, fazendo com que continue a produzir fios, mesmo que bem finos e menores que o padrão normal.
Portanto, não dá para fazer cabelo novo. Mas, se a expectativa do paciente for realista e o diagnóstico médico bem feito, há várias opções para reduzir os danos (leia na pág. 8).

Máquina zero
Para alguns, o excesso de realismo pode levar à solução radical, que não passa pelos consultórios médicos, dispensa o uso diário de loções e remédios e pede, no máximo, um bom barbeiro. Às vezes, nem isso. "Eu uso um produto sensacional: o Neutrox. Sim, aquele tubo antigo", conta o jornalista Marcelo Tas, 48, apresentador da Band.
O truque consiste em passar o produto (um condicionador de cabelos) no banho e zerar os fios com lâmina mesmo. "Serve para não agredir o couro cabeludo", diz Tas, que começou a perceber que os fios estavam rareando por volta dos 27 anos. "Você fica pensando se vai fazer algo, é meio angustiante." Tas chegou a experimentar "umas loções que estavam na moda", mas afirma que sua fantasia de ser cabeludo durou pouco. "A pior fase é antes de cair a ficha de que, além de inevitável, é legal ser careca."
Mas a disposição para assumir a calvície, que exige uma boa dose de autoconfiança, não faz parte das expectativas da maioria das pessoas. Segundo dados levantados pela ISHR (sociedade internacional de restauração capilar, na sigla em inglês), o número de pessoas que procuraram tratamentos clínicos ou cirúrgicos para perda de cabelos saltou de 361.077 em 2004 para 645.281 em 2006. O levantamento incluiu América do Norte, Central e do Sul, Europa, Ásia, África, Austrália e Oriente Médio.
O cinegrafista Julio Cezar Bruscalin, 43, enquadra-se na turma dos que procuraram tratamento, "mas sem neurose". Como Tas, ele começou a perceber a diminuição dos fios aos 27 anos. "Procurei um médico. A causa podia ser estresse ou alguma doença. Eu caí na "causa genética". Melhor do que algo mais grave", conta.
Bruscalin estava no grupo brasileiro que participou da pesquisa mundial sobre o uso da finasterida para tratamento de alopecia androgenética -a substância bloqueia a produção de DHT. Atualmente um dos medicamentos orais mais utilizados para calvície masculina, ele pode apresentar, em cerca de 1,7% dos casos, diminuição passageira da libido. Mas, ao contrário do que muitos pensam, não causa disfunção erétil.
"Quando eu estava participando da pesquisa, muita gente me perguntava sobre isso. Não tive nenhum problema com a libido e senti uma boa melhora no cabelo", diz Bruscalin, que, após cinco anos, interrompeu o uso do medicamento. Atualmente, ele só está tomando suplementos vitamínicos.

Mulheres
O levantamento da ISHR também apontou que o número de mulheres que buscam o tratamento cirúrgico aumentou: em 2006, elas representaram 13,8% do total de transplantes, contra 11,4% em 2004.
Embora a calvície de origem genética também acometa as mulheres, na maioria dos casos ocorre o chamado eflúvio telógeno -queda dos fios em geral passageira. "As causas são variadas, como estresse, medicamentos, alterações na tireóide ou nos ovários e deficiências nutricionais", afirma Jackeline Mota, dermatologista e tricologista da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia).
O estresse foi um dos fatores determinantes no caso da assistente administrativa Luzinete Pulcina da Silva, 47. Ela sofreu um tipo de queda de cabelo chamado alopecia areata, caracterizado pela perda de grandes quantidades de fios, formando áreas arredondadas ou ovais no couro cabeludo. O distúrbio também pode fazer cair outros pêlos do corpo, como sobrancelhas e cílios.
Luzinete lembra perfeitamente quando descobriu um buraco no couro cabeludo: "Foi no dia 24 de março de 2006. Quando me olhei no espelho, quase entrei em pânico".
Ela passou seis meses em busca de tratamentos que dessem resultado e diz que levou quase um ano para perceber uma melhora significativa. Além do uso de medicamentos tópicos e orais e sessões de laser de baixa intensidade, Luzinete procurou auxílio psicoterápico. "Entendi que, se não fizesse algo para tratar o estresse, ficaria careca."
Os especialistas supõem que o aumento do número de mulheres que procuram tratamento para queda de cabelo tenha relação com o maior estresse a que elas estão sendo submetidas nas últimas décadas. Outra causa importante são as dietas muito restritivas: a insuficiência de vitaminas, sais minerais e outros nutrientes leva à perda dos fios. Se não houver outros fatores envolvidos, suplementos nutricionais e reeducação alimentar podem reverter o quadro.
Quando a rarefação dos fios tem causa androgenética, a terapia pode envolver medicamentos com ação inibidora dos andrógenos (hormônios masculinos). Uma das drogas mais utilizadas para isso, a flutamida, está sob suspeita. "A flutamida é um antiandrógeno potente, mas, após a ocorrência de alguns casos de morte por hepatite fulminante, a Anvisa fez uma recomendação para que a substância não seja usada em mulheres enquanto não houver estudos mais amplos sobre seus efeitos e riscos", diz Mota.


[!] Não disfarce
Deixar crescer os fios das laterais e da nuca para dar aquela penteada esperta por cima do topo da cabeça é roubada: além de não esconder os espaços vazios, chama mais a atenção para a área com poucos fios



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