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criança
Tem que ter limite
Baixas no sistema imunológico (com infecções recorrentes),
sintomas como irritabilidade e insônia, dores crônicas e
lesões na pele podem ser sinais de "overtraining" infantil
PRISCILA PASTRE ROSSI
TATIANA DINIZ
DA REPORTAGEM LOCAL
Segundas e quartas, natação e capoeira; terças
e quintas, futebol; sábados, ginástica olímpica; domingos, aulas de circo.
Que o exercício beneficia as
crianças, não há dúvidas. Mas
onde é a linha de chegada?
Hoje, especialistas se debruçam sobre a intensidade ideal
da atividade física nessa fase. O
excesso pode ser danoso: baixas no sistema imunológico,
com infecções recorrentes, distúrbios de comportamento como irritabilidade e insônia, dores crônicas na musculatura e
nas articulações e lesões na pele podem ser sinais de "overtraining" infantil, alertam.
"Nas crianças, os sinais do
treinamento excessivo são sutis e pedem atenção. Elas têm
menos percepção do corpo que
os adultos", explica Márcio
Tannure, ortopedista, ortomolecular e médico do Clube de
Regatas Flamengo.
Segundo Tannure, o "overtraining" mirim desencadeia
ainda quedas de testosterona,
retardando a puberdade, e reduz o nível de glutamina no
sangue. "A glutamina é um
aminoácido que, com as vitaminas C e E, o zinco e o selênio,
atua como fonte de energia para o funcionamento do sistema
imunológico. Sem ela, a criança
fica mais vulnerável a quadros
recorrentes de virose", diz.
Com a variável da intensidade entrando na equação do
exercício na infância, a máxima
de que "quem faz esporte cresce mais" deixa de ser consenso.
Na verdade, abusar das atividades de impacto pode gerar deficiências de crescimento.
"Os ossos crescem através de
discos de cartilagem próximos
às suas extremidades -as chamadas placas de crescimento
ou fises. Se essas estruturas sofrem impactos decorrentes de
exercícios exagerados, repetitivos ou com sobrecarga, pode
ocorrer a desaceleração do
crescimento ósseo", diz José
Antonio Pinto, ortopedista-pediatra do Hospital Santa Marina, em São Paulo.
A freqüência de prática segura envolve fatores estruturais,
endócrinos e genéticos que interferem na resistência a impactos da placa de crescimento.
"Entretanto, sabe-se por estudos com ressonância magnética que fazer exercícios por
mais de 15 horas por semana
acarreta fenômenos degenerativos nos discos intervertebrais
de atletas mirins de ginástica
olímpica e que praticantes de
esportes de arremesso, como o
beisebol, podem sofrer descolamentos das placas de crescimento quando excedem três
horas de treino diário", exemplifica o especialista.
Para o cardiologista e pediatra José Rubens de Alcântara
Madureira, do hospital infantil
Pequeno Príncipe, em Curitiba, dois itens precisam ser avaliados: o tempo médio gasto
nas atividades e a intensidade,
medida pela freqüência cardíaca. "Quando a atividade eleva
acima de 80% a freqüência cardíaca máxima da criança, pode
levá-la ao "overtraining"."
A musculação é contra-indicada na infância, e sua introdução deve ser cautelosa. "Até
que o corpo complete todo o
processo de maturação biológica (entre 12 e 16 anos), a musculação está proibida", diz Mário
Bracco, pediatra e pesquisador
em ciências do esporte e da atividade física da Universidade
Federal de São Paulo.
Úrsula Metelmann, da Sociedade Brasileira de Dermatologia, revela que o "overtraining"
também deixa marcas na pele,
principalmente entre os nadadores. "Podem ocorrer ressecamento e desidratação da pele,
além de micoses nas unhas."
Márcio Tannure recomenda
aos pais atenção redobrada às
queixas de dor. "É um alarme
importante", enfatiza. Sinal
evidente de exagero, o aparecimento de dores crônicas chega
a impedir os movimentos.
Depois de meses se queixando de incômodos sem suspender os treinos de futebol,
Adryan Tavares, 12, está com o
pé imobilizado há mais de um
mês. O diagnóstico: fratura por
estresse causado por excesso
de treinamento. Depois de recuperado, terá de reduzir a intensidade dos treinos e mesclá-los com a prática de tênis, por
recomendação médica.
Campeão de popularidade
entre as meninas, o balé clássico ganhou fama de "doloroso".
Professora da modalidade há
30 anos, a bailarina Diana Osca
Felez desmente a idéia. "Até os
sete anos, não há por que a
criança se queixar de dor. Depois, com a intensificação dos
exercícios, podem ocorrer dores suaves na musculatura."
Diana alerta para os riscos da
introdução precoce da sapatilha de ponta. "Para usá-la, a
criança precisa ter consciência
corporal, força muscular e boa
sustentação. Antes da hora,
traz problemas sérios nos joelhos e nos tornozelos." Ela também não defende a iniciação no
balé antes dos cinco anos. "Até
aí, a criança não tem coordenação motora para atender a vários comandos", explica.
As lesões mais freqüentes
nas crianças vítimas de "overtraining" são as dos ossos e dos
músculos. Vão de macrotraumas (fraturas, torções, luxações, distensões) a microtraumas (inflamações na cartilagem de crescimento e no tecido
ósseo, nas extremidades de ossos longos, como fêmur e tíbia).
"Dores no joelho são as mais
comuns", diz o ortopediatra
Henrique Fialho, da Unifesp.
Quando a dor chega, é hora
de parar. O repouso é fundamental, mas em casos mais graves pode haver necessidade de
imobilização e fisioterapia.
Mesmo em um programa de
exercícios adequado, os ortopedistas recomendam a utilização de aliados que diminuam o
risco de uma lesão óssea, como
tênis adequados, proteção para
cotovelo, joelho, pulso e ombro, dependendo da atividade.
Competição precoce
Vitória ou derrota. De acordo
com os especialistas ouvidos
pela Folha, a competição não
deve ser introduzida antes dos
11 anos. "Não há maturidade
emocional para lidar com a
idéia de primeiro, segundo e
último colocados", afirma Anna Rozov, gerente de esportes e
lutas da Cia Athletica, em São
Paulo. Para essa faixa etária, a
academia realiza festivais desportivos em que todos os participantes são premiados.
"A solicitação por resultados
de pais e professores gera sobrecarga e leva muitos a abandonar a atividade física até os
15 anos", observa o personal
trainer Luís Otávio Moscatello,
que desenvolve programas para crianças. Dos três aos seis
anos, ele recomenda que a
criança experimente muitas
opções de atividade física. "É
bom para aumentar o seu repertório motor e para que ela
descubra do que gosta. A especialização precoce em um esporte deve ser evitada."
Para essa faixa etária, algumas academias estão criando
atividades específicas, que recorrem a elementos lúdicos.
No Rio, a Estação do Corpo
lançou, no mês passado, aulas
de desenvolvimento psicomotor direcionado a crianças de
três a sete anos.
Giovana Saram tem cinco
anos e sabe, na ponta da língua,
o esporte que gosta mais de fazer: "Natação". Além de nadar,
ela faz capoeira, balé e aulas de
circo."Se ela será atleta ou não,
não importa. Agora, o esporte a
ajuda, aumenta a concentração
na escola, e ela come e dorme
melhor", conta a mãe, a professora Grasiele Saram, 28.
A agenda cheia não tem de
ser sempre cumprida à risca
pela menina. "Se ela reclama de
cansaço, se o dia está muito poluído ou frio, não mando, não
forço. Só não vale deixar de ir
porque está com sono ou quer
ver TV", afirma Grasiele.
Esporte por prazer
A administradora Lucile
Santi, 51, mãe de Giulia Haddad, de seis anos, fica atenta ao
prazer que a filha tem em fazer
ginástica olímpica e patinação
artística alternadamente, de
terça a sexta-feira.
"Acho que quatro dias de atividade por semana já está bom.
Mais que isso seria pesado demais. Ela mesma escolheu as
atividades, faz o que gosta e não
costuma faltar", afirma Lucile,
que também praticou patinação artística na infância e hoje
dá aulas dessa modalidade na
Sociedade Esportiva Palmeiras, em São Paulo.
Nas crianças obesas, as conseqüências do "overtraining"
são ainda mais perigosas. "A
possibilidade de lesão ortopédica é maior, e elas estão mais
propensas a ter hipertensão",
diz Paulo César Alves da Silva,
pediatra e endocrinologista do
Hospital Infantil Joana de Gusmão, em Florianópolis.
Durante uma atividade intensa, ela tem mais chances de
ter elevação da pressão arterial,
alteração cardíaca e na circulação, além de problemas na oxigenação cerebral. Uma boa opção é começar pela natação,
que diminui o excesso de peso
sem forçar as articulações.
Risco para o coração
Outros perigos do exercício
exagerado moram no coração.
"As crianças podem ter arritmias ou até problemas fatais,
no caso daquelas que têm complicação cardiovascular -quadro não raramente desconhecido pelos pais", diz Madureira.
Ele defende a realização de exames antes de matricular a
criança em qualquer atividade
física mesmo que, aparentemente, os exercícios escolhidos
não tenham características extenuantes ou de impacto.
Na consulta ao pediatra, por
exemplo, vale pedir para que
ele meça a pressão da criança,
para avaliar possíveis casos de
hipertensão. No cardiologista,
o eletrocardiograma mostrará
o ritmo do coração, detectando
casos de taquicardia (aceleração do coração). Já o ecocardiograma revelará a estrutura do
coração, detectando hipertrofias e a possibilidade de a criança ter uma doença congênita.
Não sobrecarregar os atletas
mirins não significa privá-los
dos exercícios. Se adequados e
aliados à boa alimentação, eles
auxiliam no crescimento e desenvolvem a agilidade, os movimentos, a postura e a força
muscular. Além disso, a infância é o melhor momento para
despertar o gosto pela atividade
física em oposição ao sedentarismo no futuro. Crianças ativas tendem a ser adultos ativos
e, conseqüentemente, a levar
uma vida mais saudável.
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