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s.o.s.família
A "transgressão" da aluna com florzinhas
ROSELY SAYÃO
Por que os alunos de algumas escolas precisam usar uniforme para frequentar o
espaço escolar? Experimente perguntar isso a
mais de uma pessoa que trabalha na mesma
escola. O mais provável é que cada orientador,
diretor ou mesmo professor dê uma resposta
diferente. Moral da história? A escola nem sabe mais por que exige isso dos alunos. E tem
mais: por que, em boa parte das escolas particulares, os alunos do ensino médio não precisam usar uniforme, mas os do ensino fundamental precisam? Creio que a escola não tenha
uma resposta uniformizada para essa questão.
Mas é claro que é possível darmos alguns sentidos a esse velho costume.
A escola particular, por exemplo, faz de seu
uniforme uma grife: os alunos que estampam
em seus corpos as cores e/ou o nome da escola
que frequentam anunciam, por suas roupas,
que fazem parte de um grupo pequeno, seleto,
e isso inclui determinados traços e características -e até mesmo uma tradição. E, se isso
por um lado inclui cada aluno da escola nesse
grupo, exclui todos os outros que não têm
acesso a essa escola, que não podem usar essa
grife.
Claro que alguns têm escolha, mas são poucos. Já a escola pública deixou de ter a chance
de usar o uniforme por essa razão e o usa mesmo para padronizar a vestimenta de seus alunos e, talvez, como lembrança dos tempos em
que a "velha e boa" escola pública era "disciplinada", conceituada na comunidade e respeitada por seus alunos.
Frequentar o espaço escolar supõe o aprendizado da vida em grupo no espaço público, o
que também significa o cumprimento de regras e leis. E, afinal, usar uniforme é uma das
regras da escola. Bem, qualquer que seja a razão para o uso do uniforme, ele pode ter finalidade educativa. Mas aí é que muitas escolas se
atrapalham.
Vejam um exemplo: uma certa escola, que
tem o uso do uniforme obrigatório, em pleno
início de ano letivo retirou da sala de aula vários alunos e alunas por estarem com uniforme incompleto. Pois bem, vou citar apenas
um dos casos: o da garota das flores. O uniforme em questão exigia meias brancas, e as dessa garota de pouco mais de 10 anos tinham
florzinhas coloridas bordadas na barra. Sim, a
meia era branca, apesar de tudo. Mas branca
com florzinhas! E lá se foi um dia de aula na vida dessa garota. E, junto com essa perda, outras muito mais importantes.
Provavelmente essa aluna nem pretendia
burlar a regra do uso do uniforme; afinal,
meias com florzinhas nessa idade não têm cara nenhuma de transgressão. Mas e se fosse,
como pode ser em muitos casos de uso inadequado de uniforme? É excluindo o aluno, ignorando a transgressão ou simplesmente se
apegando rigidamente à regra que a escola
pretende ensinar algo aos alunos? Se é que ela
lembra que todas as atitudes que toma com
seus alunos poderiam ser educativas, claro.
O fato é que, se há regra, a transgressão faz
parte do jogo. E aprender a lidar com os conflitos que a existência das regras impõe a quem
a elas está submetido é fundamental para pais
e escolas. Mas isso requer que, primeiro, pais,
professores e demais adultos que educam
crianças e adolescentes aprendam a negociar.
Não vivemos em tempos ditos democráticos?
Pois então que nossos filhos e alunos possam
participar da educação a que são submetidos!
É necessário que a escola se abra ao diálogo
com seus alunos, que permita que eles participem da discussão do que lá acontece, que eles
tenham voz quando quiserem argumentar a
respeito de tudo, inclusive do uso do uniforme
e das consequências das transgressões. Isso
não significa que eles devam ser atendidos em
tudo o que reivindicam, claro, e esse é o grande receio da escola.
Quando a escola ou os pais se apegam rigidamente às regras estabelecidas no trato com
seus filhos e alunos, é sinal de que temem perder a autoridade que seu papel impõe. Mas o
que eles precisam saber é que é justamente assim que eles a perdem.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo É Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br
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