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saúde
No tempo certo
Especialistas discutem teoria que inclui relacionamento com o pai na lista de fatores que podem influenciar a idade com que meninas têm a primeira menstruação; clima, alimentação e herança genética têm efeitos sobre a chegada da puberdade
AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL
E
las já se preocupam
com moda, entendem
de maquiagem e de
dietas e se consideram adolescentes cada vez
mais cedo. Os pais também se
surpreendem com o fato de sua
filhinha, muito antes do que
gostariam, começar a exibir os
sinais da puberdade: o surgimento de seios, de alguns pêlos
e -a cartada final- a menarca,
nome técnico da primeira
menstruação.
A impressão é que elas estão
crescendo rápido demais e os
motivos associados à chegada
da puberdade têm se tornado
cada vez mais abrangentes. Associados à genética, ao clima e à
alimentação, eles também passaram a incluir os relacionamentos familiares. Em especial, a relação com o pai.
Estudos divulgados ao longo
dos últimos anos têm analisado
de que forma a ausência do pai
pode fazer com que a filha amadureça sexualmente mais cedo
-uma idéia inquietante numa
época em que as separações são
cada vez mais comuns e que
ainda não encontra consenso
entre especialistas.
Um dos pioneiros nessa avaliação é o sociólogo Jay Belsky,
diretor do instituto para o estudo de crianças, famílias e questões sociais, do Birbeck College, da University of London.
Em sua teoria da aceleração
psicossocial, Belsky defende
que as meninas que não convivem com o pai ou que enfrentam muito estresse familiar
amadurecem mais cedo.
"Há evidências de que a ausência paterna, independentemente do estresse, afeta [a aceleração da menarca], assim como relacionamentos familiares
estressantes, mesmo que eles
sejam vividos na companhia
dos pais biológicos", disse
Belsky à Folha.
A ginecologista Albertina
Duarte, professora do Hospital
das Clínicas e coordenadora do
programa de saúde do adolescente da Secretaria de Estado
da Saúde de São Paulo, concorda com Belsky. Em 1997, enquanto desenvolvia sua tese de
mestrado, ela encontrou, nas
meninas que acompanhava, essa associação entre a chegada
da menarca e o relacionamento
com os pais.
"Vi que, tanto nos casos de
puberdade precoce como nos
de puberdade tardia, havia
uma ligação com problemas de
relacionamento. A separação
dos pais, quando ocorria de forma abrupta, era um fator importante. Quando a menina
menstruava, eu perguntava se havia acontecido algo importante na vida dela três anos antes. Muitas diziam que os pais
haviam se separado nessa época", conta Duarte.
O psiquiatra Joel Rennó Jr.,
coordenador do Pró-Mulher
(Projeto de Atenção à Saúde
Mental da Mulher, do Instituto
de Psiquiatria do Hospital das
Clínicas da USP), também já
observou relações parecidas
num projeto social desenvolvido pelo hospital Albert Einstein em Paraisópolis, na periferia de São Paulo.
"A gente observa que as meninas de origem mais pobre,
que são mais desassistidas, têm
um pai ausente etc. têm a idade
da menarca mais precoce. Mas
são várias as condições que se
somam em cada caso, e a gente
fica sem saber qual é o fator
predominante. Que o emocional tem uma relação nesse
amadurecimento, isso está
bem estabelecido. Mas não podemos ser reducionistas. É difícil falar de uma origem única, o
ser humano é muito complexo", afirma.
Hormônios
O estresse pode alterar a secreção de alguns hormônios sexuais. De acordo com a endocrinologista Ana Claudia Latronico, professora da Faculdade de Medicina da USP, a "chave hormonal" que determina o
desenvolvimento sexual é o
hormônio liberador das gonadotrofinas, que fica no sistema
nervoso central. "Toda situação envolvendo um estresse
grande, mudanças, tem uma
ação no sistema nervoso central", afirma.
O estresse crônico também
leva à manutenção de níveis
mais elevados de cortisol (conhecido justamente como o
hormônio do estresse), segundo Rennó Jr. Essa reação pode
ser desencadeada tanto pela
violência quanto por estímulos
eróticos precoces ou problemas financeiros da família.
"Isso, de alguma forma, interfere no amadurecimento
das gônadas", diz. As gônadas
são as glândulas reprodutivas:
os testículos, nos homens, e os
ovários, nas mulheres.
Isso ajudaria a explicar por
que a ausência do pai poderia
levar a um amadurecimento sexual precoce em algumas meninas. Mas há pesquisadores que
vão além quando o assunto é o
papel dos hormônios.
Em um trabalho publicado
no ano passado no "American
Journal of Human Biology",
pesquisadores afirmaram que
feromônios liberados pelos
pais poderiam atrasar a menarca da filha. Segundo o estudo,
realizado na Pennsylvania State University, garotas que vivem longe do pai tendem a ter a
menarca três meses antes das
que vivem com o pai.
Esse tipo de resposta a estímulos químicos bloqueadores
é conhecido em modelos animais. "Quando você tira os familiares adultos de uma ninhada de ratos e coloca outros ratos, os filhotes tendem a amadurecer mais precocemente",
afirma Rennó Jr., que contesta,
porém, a simples transposição
desse tipo de resultado para
humanos.
"São tantas as variáveis dos
pontos de vista psicológico, social, econômico e biológico que
afirmar que esse modelo pode
ser transposto para humanos é
complicado", afirma.
Para Latronico, a analogia
entre animais e seres humanos
faz pouco sentido nesse caso.
"Dentro de um contexto familiar, para ter essa influência dos
hormônios masculinos sobre
os filhos, seria necessário um
contato muito maior do que
normalmente a gente tem com
os pais. Essa teoria é mais baseada em modelos animais. Em
seres humanos, não tem nenhuma comprovação científica
mais sólida."
Peso
Outro fator hormonal envolvido no desenvolvimento sexual é o nível de estrogênio, cuja formação está relacionada à
presença de gordura no organismo. Isso faz com que a obesidade seja um dos fatores que
mais influenciam a chegada da
puberdade.
"As meninas que têm mais
tecido adiposo aos sete ou oito
anos de idade menstruam primeiro", explica o hebiatra Paulo César Pinho Ribeiro, presidente do departamento de adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria.
A relação entre peso e menarca é valorizada mesmo por
Jay Belsky. "Não temos nenhuma análise sobre isso, mas acredito que o peso seja mais importante [que a ausência ou
presença do pai]", afirma.
Outros dois aspectos já constatados e geralmente aceitos
são a herança genética e o efeito do clima sobre o desenvolvimento sexual: crianças de países quentes chegam à puberdade antes de crianças de países
frios. Ainda não se sabe, porém,
de que forma a temperatura
ambiente promove essa mudança no organismo.
Quanto ao papel dos genes,
Latronico afirma que, em gêmeas, por exemplo, a idade da
primeira menstruação geralmente é a mesma. Além disso,
são comuns também os casos em que as filhas têm a menarca
na mesma idade em que suas
mães tiveram.
Latronico pesquisa um grupo
de jovens com puberdade precoce sob o enfoque genético,
com análise de DNA. "Provavelmente o peso dos genes é
grande nos casos de puberdade
precoce familial, que correspondem a 12% do total", diz a
endocrinologista, referindo-se
a famílias em que mais de uma
pessoa enfrentou o problema.
Precoce
A puberdade precoce ocorre
quando os primeiros sinais do
desenvolvimento sexual, como
pêlos, aparecem antes dos oito
anos em meninas ou antes dos
nove anos em meninos. Entre
eles, a maturação sexual costuma começar mais tarde -dois
anos depois das meninas.
Em garotos, a causa mais comum de puberdade precoce é
tumor cerebral. Já as meninas,
que representam 90% dos casos, podem ter o problema devido a diversos fatores.
Embora não existam dados
sobre esse problema no Brasil,
estudos apresentados num
congresso recente no Chile
mostram que lá o número de
casos de puberdade precoce
tem crescido. Uma das hipóteses, segundo Latronico, é que a
alimentação influencie diretamente essa mudança.
O crescimento puberal gera
uma maturação óssea precoce,
que não acompanha a idade
cronológica. Assim, a menina
de oito anos pode ter uma maturação óssea de dez anos.
A principal conseqüência
disso é a baixa estatura, já que,
após a menarca, o crescimento
ocorre mais lentamente.
O processo pode ser bloqueado por meio de medicação. Foi
o que aconteceu com Isabella
Scherer, 11. Devido à puberdade precoce, ela precisou tomar
remédios que atrasassem seu
desenvolvimento. A medicação
foi suspensa no início deste
ano, e agora ela aguarda a hora
de "virar mocinha". "Vai ser
ruim porque tenho natação todos os dias e não quero ter que
faltar", afirma.
Já Daniela Cabaritti, 12, está
ansiosa para menstruar, mas
ainda deve esperar um pouco
pelo momento. Desde os nove
anos, ela faz um tratamento para atrasar a menarca. Com 1,46
m, deve manter os remédios até
alcançar 1,60 m. Beatriz Zaupa,
13, conseguiu ganhar cinco centímetros antes de menstruar,
por meio de um tratamento endocrinológico.
Mas Latronico avisa que o
tratamento só deve ser feito até
a criança ter uma maturação
óssea de 13 anos. Mesmo que
ela tenha apenas nove anos ao
chegar a esse estágio, o tratamento deve ser interrompido.
"Se continuar a bloquear a
menstruação, a fase do estirão
será prejudicada", alerta.
Vergonha e presentes
Precoce ou não, a chegada da
menarca costuma despertar
dúvidas e preocupações em todas as meninas e ser acompanhada por uma série de mitos,
sendo um dos principais o medo de "parar de crescer" (ver
quadro ao lado).
Victória Corban, 12, que
menstruou no ano passado
("no Dia das Crianças", ressalta), ri ao falar de sua primeira
reação. "Mostrei para a minha
mãe e ela disse que eu tinha
menstruado. Fiquei assustada
e falei: "Ferrou pro meu lado".
Tive vergonha de contar para o
meu pai, aí liguei para minha
madrasta", lembra.
Isabela Laranja, 12, não só teve que telefonar para toda a família como ganhou presentes
de parentes: um colar, um "kit
menstruação" e dinheiro para
comprar roupas novas.
"Eu não queria ter menstruado, mas fui no ginecologista e
fiquei aliviada, porque ele disse
que veio tudo na hora certa."
Agradecimentos: Academia Gustavo
Borges -Natação & Bem-Estar e colégio
Augusto Laranja
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