São Paulo, quinta-feira, 29 de março de 2007
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Rosely Sayão

Consumismo infantil

O que uma adolescente de 14 anos faz com 40 pares de sapatos? Essa pergunta eu me fiz ao ler, em um jornal do interior paulista, uma reportagem com crianças e adolescentes a respeito do consumo. Os personagens tinham entre 9 e 16 anos e todos mostraram ser consumidores vorazes. Alguns exageravam no número, como a garota citada, outros em modelos. Uma menina de nove anos contou que troca de celular aproximadamente a cada seis meses porque "não gosta de ter coisa antiga". Outra pergunta: o que uma garota dessa idade faz com um telefone celular?
Os pais, os responsáveis por esse comportamento, talvez nem saibam o que têm ensinado aos filhos permitindo que consumam tanto. Por que eles atendem aos pedidos dos filhos de modo tão impensado? Alguns o fazem porque, por terem poder aquisitivo, não vêem motivo para privar o filho de algo. Outros não resistem aos apelos dos filhos nem à carinha de felicidade que fazem quando obtêm o que queriam. Carinha que costuma durar pouco, é bom lembrar. Outros, ainda, mesmo sem ter clareza do fato, esperam "comprar" determinado comportamento ou expressão de afeto.
O problema é que os mais novos têm aprendido a consumir por consumir -sem crítica e dando mais prioridade ao ato de consumir do que ao uso do objeto. Afinal, que uso tem para uma criança um modelo novíssimo de aparelho celular, com todas as inovações tecnológicas? O que faz uma criança com um quarto repleto de brinquedos ou uma adolescente com 40 pares de calçados?
Se os pais observarem, perceberão que, quanto mais os filhos têm, menos desfrutam. É mais fácil ver uma criança com poucos brinquedos desenvolver interesse pelo que tem do que observar outra escolher um brinquedo entre as suas muitas opções -o provável é que ela não se entretenha.
Em geral, a responsabilidade por essa ganância consumista recai quase que totalmente sobre o marketing e a publicidade, tão sedutores e dirigidos, cada vez mais, ao público infantil. Vamos reconhecer: as estratégias utilizadas por eles exploram tendências de comportamento que eles já vislumbram existir. Portanto, a responsabilidade também é nossa, dos adultos que educam. Além de se tornarem dependentes do consumo com essa atitude da parte dos pais, crianças e adolescentes se tornam vítimas de modismos sem questionar, sem refletir e sem considerar o que esses modismos têm a ver com eles.
Tenho um bom exemplo que tive a oportunidade de presenciar outro dia. Um grupo de adolescentes entre 12 e 13 anos caminhava no shopping, em busca de algum programa. Uma menina perguntou à outra onde eles estavam indo e teve como resposta que iriam tomar café em um local badalado e recém-inaugurado. Já passava das 20h, é bom ressaltar. "Tomar café? Vamos tomar sorvete", reagiu a garota. Mas a resposta que ela ouviu foi convincente, já que não esboçou outra reação. A amiga disse: "Agora, a moda aqui é tomar café. Está todo mundo lá". E lá foram elas. Eu fiquei pensando nesse retrato de uma infância corrompida por motivações comerciais, com a anuência dos pais.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br


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