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Rosely Sayão
Consumismo infantil
O
que uma adolescente
de 14 anos faz com 40
pares de sapatos? Essa pergunta eu me fiz
ao ler, em um jornal do interior
paulista, uma reportagem com
crianças e adolescentes a respeito do consumo. Os personagens tinham entre 9 e 16 anos e
todos mostraram ser consumidores vorazes. Alguns exageravam no número, como a garota
citada, outros em modelos.
Uma menina de nove anos contou que troca de celular aproximadamente a cada seis meses
porque "não gosta de ter coisa
antiga". Outra pergunta: o que
uma garota dessa idade faz com
um telefone celular?
Os pais, os responsáveis por
esse comportamento, talvez
nem saibam o que têm ensinado aos filhos permitindo que
consumam tanto. Por que eles
atendem aos pedidos dos filhos
de modo tão impensado? Alguns o fazem porque, por terem
poder aquisitivo, não vêem motivo para privar o filho de algo.
Outros não resistem aos apelos
dos filhos nem à carinha de felicidade que fazem quando obtêm o que queriam. Carinha
que costuma durar pouco, é
bom lembrar. Outros, ainda,
mesmo sem ter clareza do fato,
esperam "comprar" determinado comportamento ou expressão de afeto.
O problema é que os mais novos têm aprendido a consumir
por consumir -sem crítica e
dando mais prioridade ao ato
de consumir do que ao uso do
objeto. Afinal, que uso tem para
uma criança um modelo novíssimo de aparelho celular, com
todas as inovações tecnológicas? O que faz uma criança com
um quarto repleto de brinquedos ou uma adolescente com
40 pares de calçados?
Se os pais observarem, perceberão que, quanto mais os filhos têm, menos desfrutam. É
mais fácil ver uma criança com
poucos brinquedos desenvolver interesse pelo que tem do
que observar outra escolher
um brinquedo entre as suas
muitas opções -o provável é
que ela não se entretenha.
Em geral, a responsabilidade
por essa ganância consumista
recai quase que totalmente sobre o marketing e a publicidade, tão sedutores e dirigidos,
cada vez mais, ao público infantil. Vamos reconhecer: as estratégias utilizadas por eles exploram tendências de comportamento que eles já vislumbram
existir. Portanto, a responsabilidade também é nossa, dos
adultos que educam.
Além de se tornarem dependentes do consumo com essa
atitude da parte dos pais, crianças e adolescentes se tornam
vítimas de modismos sem
questionar, sem refletir e sem
considerar o que esses modismos têm a ver com eles.
Tenho um bom exemplo que
tive a oportunidade de presenciar outro dia. Um grupo de
adolescentes entre 12 e 13 anos
caminhava no shopping, em
busca de algum programa. Uma
menina perguntou à outra onde eles estavam indo e teve como resposta que iriam tomar
café em um local badalado e recém-inaugurado. Já passava
das 20h, é bom ressaltar. "Tomar café? Vamos tomar sorvete", reagiu a garota. Mas a resposta que ela ouviu foi convincente, já que não esboçou outra
reação. A amiga disse: "Agora, a
moda aqui é tomar café. Está
todo mundo lá". E lá foram elas.
Eu fiquei pensando nesse retrato de uma infância corrompida por motivações comerciais, com a anuência dos pais.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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