São Paulo, terça-feira, 29 de março de 2011
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OUTRAS IDEIAS

ANNA VERONICA MAUTNER amautner@uol.com.br

A volta da música caseira


Viva o diletantismo! É muito bom tocar um instrumento ou tentar cantar apenas por prazer


ANTES DA difusão galopante dos meios eletrônicos de comunicação, tocar um instrumento ou cantar era o único jeito de ter música ao nosso alcance, a não ser que fôssemos a um recital.
Até meados do século passado, em quase todas as casas alguém fazia música.
Passando pelas ruas, era difícil não escutar música vinda de alguma casa. Essa música diletante era gostosa, agradável. Nas escolas, aprendiam-se rudimentos de solfejo e canto orfeônico.
Quem toca gosta de assistir ao outro tocar. Não é a mesma coisa apreciar alguém ali, na hora, presente em carne e osso e escutar CD ou rádio.
Artistas apreciam os aplausos que só podem ser recebidos ao vivo, quando o espetáculo é real, com todos juntos no mesmo espaço.
Toda vez que vamos a um evento musical corremos o risco de ele não ser o máximo.
Um CD, além de passar pela escolha da melhor execução, é livre de defeitos. Mesmo assim, a gente prefere o recital.
Num evento público, cada um de nós torna-se, além de apreciador, juiz. Opina.
O recital tem isso: é uma apresentação única, estamos lá no momento da execução, somos as testemunhas.
Estar num evento único tem muitos atrativos, nesta sociedade de seres anônimos.
Vive-se, pelo menos na cidade de São Paulo, um ressuscitar dos velhos tempos, dos professores de música saídos dos Conservatórios Dramáticos Musicais que, depois, voltando aos bairros e às cidades do interior com seus diplomas (sim, porque os conservatórios diplomavam), abriam caminhos para o diletantismo em música, a música pelo prazer de fazê-la, não só de ouvi-la.
É impossível negar a importância desses conservatórios na difusão desse gosto especial pela música erudita, antes privilégio apenas das poucas famílias que podiam ter preceptores estrangeiros e frequentavam o Municipal.
Ninguém vai negar a importância de projetos como o Guri, que leva o "prazer da disciplina" à geração infanto-juvenil atual. Procurar dominar um instrumento é uma tarefa solitária, que demanda muito exercício e aplicação. É aí que está a relação com mestres, que serão imitados.
Hoje temos em Heliópolis a Orquestra Bacarelli, o projeto Guri e outros, levando "à praça" a harmonia antes exclusiva dos grandes teatros e das igrejas. É uma nova forma de democracia musical, presente na relação dos discípulos com seus modelos.
E vivam os Conservatórios Dramáticos Musicais! Viva Mário de Andrade! E viva a música caseira de todos nós!

ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)


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