|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
S.O.S. Família
Rosely Sayão
Mundo infantil de fantasias
As manifestações de
amor que os pais dirigem aos filhos têm sido cada vez mais vigorosas. Expressões como "eu
amo você" são tão usadas que
chegam a se tornar banais,
além de oferecerem a possibilidade de deixar a criança sufocada com tanto carinho.
Outro dia, assisti a uma cena
que pode ser usada como exemplo. Ao buscar o filho de uns
cinco anos na escola, a mãe o
abraçou e disse: "Eu te amo
tanto!". A resposta do garoto foi
imediata e mostrou o quando
ele deveria ouvir a mãe dizer a
mesma coisa: "Eu já sei, mãe.
Não precisa falar de novo".
Claro que é importante que a
criança sinta o amor dos pais.
Mas carinho se expressa também de outros modos que não
apenas pelo contato físico ou
por meio de expressões diretas.
É principalmente a partir do tipo de interação que os pais têm
com o filho que ele percebe o
carinho e a importância dada à
sua presença na família. Mas
hoje tem sido muito difícil a
criança ser reconhecida como
tal, inclusive pelos pais.
Vivemos na era da tecnologia, e a idéia de qualidade de vida tem sido construída a partir
de orientações científicas. Isso
tem contribuído para que a fantasia típica da criança seja banida do nosso mundo; impera a
lógica do adulto, inclusive nas
relações com as crianças. Acontece que acolher a criança com
suas fantasias e reconhecer que
essa é sua maneira de enfrentar
as angústias talvez sejam os
atos mais carinhosos que podemos demonstrar. De nada
adianta repetir "eu te amo" e
tratar os filhos pequenos como
se eles vivessem e entendessem
a vida como adultos.
Um bom exemplo de como as
fantasias das crianças são desconsideradas é o modo como as
perguntas que elas fazem são
respondidas. Tomemos como
exemplo as questões sobre a
origem da vida e a sexualidade.
Informações da biologia, detalhes da concepção, do nascimento e do relacionamento sexual entre a mãe e o pai são,
muitas vezes, transmitidos à
criança em nome do direito que
ela tem de acesso ao conhecimento. Mas isso nada mais é do
que ignorar solenemente o
mundo mágico da fantasia no
qual a criança vive. Vamos admitir: isso não é carinhoso.
Uma garotinha de pouco
mais de três anos explicou à sua
professora como ela foi gerada.
A história é maravilhosa.
"Quando eu era um anjo e voava lá no céu, um dia eu vi minha
mãe no avião. Aí, eu caí no prato dela e ela me comeu. Foi assim que eu fui parar na barriga
dela e, depois, eu nasci." Essa é
a maneira de a criança entender a vida: pela fantasia, que ela
ainda não diferencia da realidade. Aliás, a criança leva bastante a sério suas fantasias, e,
quando o adulto não faz o mesmo, ela se sente desvalorizada.
Essa tendência de imprimir
ao universo infantil a lógica
adulta se manifesta também
nessa onda politicamente correta que tenta modificar canções e contos infantis. Os adultos subtraem ou substituem o
que consideram violento. Ora,
isso é negar o acesso que permite à criança identificar algumas
emoções que sente, integrá-las
ao mundo e encontrar modos
de vivenciá-las simbolicamente e expressá-las. Assim é com a
idéia de morte, com atos violentos etc. Muitos pais censuram a escola quando os professores contam histórias para as
crianças em que há morte, madrastas más, lobos que comem
crianças etc. Não querem que
os filhos sejam maculados com
essas idéias. Não é mesmo um
paradoxo o adulto tudo informar sobre a sexualidade à
criança, mas silenciar a respeito da morte?
Acolher a criança e suas fantasias e encontrar um registro
que facilite a comunicação, em
vez de trazê-la ao mundo adulto, talvez sejam a melhor maneira de expressar carinho aos
filhos pequenos.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
Texto Anterior: Fique atento Próximo Texto: Frase Índice
|