São Paulo, quinta-feira, 29 de setembro de 2005
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S.O.S. família

Rosely Sayão

A proteção possível contra a violência

Na semana passada, toda a imprensa noticiou um tiroteio entre seguranças particulares e criminosos ocorrido nas imediações da Escola Vera Cruz, em São Paulo, apenas 15 dias após outra situação semelhante. Sempre que a violência se aproxima da vida dos filhos, é natural que os pais reajam com medidas que visam dar mais proteção a eles. Às vezes, essa proteção torna-se exagerada, e esse é o tema da conversa de hoje.


Nossas crianças estão escondidas, blindadas, apartadas desse mundo violento. Acontece que é nesse mundo violento que eles vivem e viverão


Proteger os filhos faz parte do papel dos pais. Poupar os filhos de sofrimentos inúteis e de situações de risco que eles não conseguem administrar é cuidar deles e colaborar para que aprendam a se proteger no futuro, é ensinar a eles que é preciso ter cuidado com a própria vida e com a dos outros. Entretanto a violência do mundo atual tem transformado bastante essa noção de cuidar dos filhos e protegê-los do possível. Os pais têm tentado proteger seus filhos do impossível e essa atitude tem deixado as crianças aprisionadas, tem impedido os mais novos de aprender a viver com a autonomia que eles poderiam ter.
Vamos admitir: as crianças e adolescentes da classe média estão presos nos imóveis e nos móveis; saem da casa para o carro, do carro para a escola, da escola para o carro, do carro para o shopping e assim por diante. E sempre acompanhados de pais, avós, professores, empregadas domésticas, babás, seguranças e motoristas que se responsabilizam por eles nos trajetos que precisam fazer de um local a outro. Mas um fato é curioso: essas mesmas crianças e esses mesmos adolescentes que são impedidos de andar sozinhos, mesmo em curtos trajetos, em nome da segurança, andam em turmas sem adultos pelos shoppings, freqüentam festas até altas horas da madrugada, escolhem as roupas que usam, os brinquedos que querem, namoram em casa com a autorização dos pais, têm seu próprio dinheiro para gastar como bem entendem. Agora, não é surpreendente que não tenhamos receio da violência das imposições e dos apelos de consumo, por exemplo, que são jogados sobre eles?
Ninguém estranha quando vê grupos de crianças nos cinemas dos shoppings desacompanhados de adultos, nas praças de alimentação ou nas lojas. Já observar crianças na praça em frente à escola no horário do recreio provoca apreensão. Prova disso é a declaração de uma vizinha da Escola Vera Cruz publicada na Folha em reportagem a respeito do incidente violento citado. Ela considera que deixar crianças que têm entre 11 e 14 anos de idade, mais ou menos, saírem para a rua no horário do recreio escolar deixa-as expostas a tudo. Pensando bem, a presença de crianças e adolescentes nas ruas e nos espaços públicos das cidades incomoda muita gente: os pais, que se preocupam com os riscos que eles correm, e os outros adultos, que circulam por esses locais. É que já não sabemos mais conviver com os filhos dos outros nos espaços comuns e muito menos queremos nos responsabilizar por essa proximidade. Por isso as crianças e os adolescentes perderam o direito de transitar pelos espaços públicos. Os pais, agora, têm uma dupla obrigação: esconder esse mundo violento de seus filhos ao mesmo tempo em que precisam escondê-los do mundo, já que eles podem incomodar.
As ruas, praças e parques já não são mais locais considerados próprios para crianças e adolescentes. Ao andar pelas ruas de determinados bairros, podemos testemunhar esse fato. Nossas crianças estão escondidas, blindadas, apartadas desse mundo violento. Acontece que é nesse mundo violento que elas vivem e viverão. Não será, então, mais sensato, lúcido e coerente que ensinemos os filhos a viver nesse mundo do jeito que ele está e que os incentivemos a aprender a lutar pelo exercício da cidadania para todos, que os estimulemos a buscar a justiça e a se empenharem pelo bem comum, pelo respeito ao viver coletivo e pela paz?

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
@ - roselysayao@folhasp.com.br



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