São Paulo, quinta-feira, 30 de abril de 2009
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ALIMENTAÇÃO

Só para crianças?

Associado por alguns especialistas a males como dor de cabeça, artrite e constipação, leite só deve ser cortado da dieta por adultos com intolerância ou alergia

JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Alguns adoram, outros não podem nem sentir o cheiro. Há quem prefira a versão desnatada e quem não abra mão de suas gorduras, sob alegação de que o sabor é inigualável.
O fato é que o leite de vaca, um dos alimentos mais consumidos no Ocidente, sempre causou polêmicas entre os leigos. E, recentemente, tem alimentado discussões também entre os especialistas.
Para alguns, o leite é responsável por inchaços abdominais, diarreia, constipação intestinal e problemas respiratórios e, por isso, deveria ser excluído da dieta dos adultos. Para reforçar a tese, existe a ideia de que nenhum outro mamífero consome leite na fase adulta.
"No Ocidente, conseguimos industrializar o leite e o consumimos até o fim da vida. Mas muitas pessoas não relacionam reações do corpo, como uma constipação, a uma intolerância leve ao alimento. O princípio da medicina chinesa, por exemplo, é observar o equilíbrio do paciente. Se há algum desequilíbrio na parte respiratória ou gastrointestinal, a suspeita recai sobre o leite", diz a nutricionista Kátia Camargo, que pesquisa Medicina Tradicional Chinesa.
Segundo ela, os orientais deixam de consumir o alimento quando crescem porque acreditam que não precisam dele na fase adulta. "A alimentação deles supre a necessidade de cálcio porque é rica em vegetais, soja fermentada e tofu, alimentos que contêm boas quantidades desse mineral."
A nutróloga Mariela Silveira, membro do Comitê Diretivo do Kurotel Centro de Longevidade e Spa, também acredita que o leite de vaca contribua para desencadear processos inflamatórios em organismos mais sensíveis.
"Um alimento que é bom para um indivíduo não será necessariamente bom para outro. O leite está muito ligado ao sistema imunológico. Pacientes com doenças autoimunes e problemas respiratórios apresentam melhora após deixar de consumi-lo", afirma.
A equipe de médicos e nutricionistas do spa costuma sugerir a hóspedes com distúrbios gastrointestinais que retirem laticínios da dieta. Segundo Silveira, boa parte dos pacientes sente melhora nos sintomas após tomar essa medida.
Para engrossar o coro, uma pesquisa com 98 crianças que sofriam de constipação intestinal mostrou relação entre o distúrbio e a ingestão do alimento. Ao retirar leite e derivados da dieta, 35% melhoraram.
"Quando estudamos um pouco mais sobre a conexão do alimento com o organismo, observamos como é a reação com o paciente. O alimento sozinho é uma coisa e no organismo é outra", afirma Daniela Jobst, membro do Centro Brasileiro de Nutrição Funcional e do Instituto de Medicina Funcional dos Estados Unidos, responsável pelo trabalho, que ainda não foi publicado.
Para ela, apesar de o leite conter altos teores de cálcio, o organismo não absorve boa parte desse nutriente. Jobst e outros especialistas ouvidos pela Folha defendem que é possível garantir o aporte diário de cálcio por meio de outros alimentos, como vegetais verde-escuros, peixes e castanhas.
"Pessoas hipersensíveis não conseguem aproveitar o cálcio do leite porque as moléculas do mineral não são quebradas corretamente e acabam não sendo absorvidas", diz.

A favor
Do outro lado, estão especialistas que defendem a ingestão de leite e derivados, por serem a principal fonte de cálcio, mineral que ajuda no fortalecimento dos ossos.
"O leite é um alimento importantíssimo na nossa dieta. A partir do momento em que não precisamos do leite materno, precisamos do de vaca, e não há outro alimento que nos dê a quantidade suficiente de cálcio. Se a pessoa não tiver intolerância ou alergia, não vai acontecer nada", diz a gastroenterologista Lígia Guimarães, do Hospital Professor Edmundo Vasconcelos.
O que ocorre, do ponto de vista dos defensores do leite, é uma prevalência alta de problemas relacionados ao alimento na população. Estima-se que até 20% tenham alguma deficiência na produção de lactase, a enzima responsável por digerir o açúcar do leite. E cerca de 10% das crianças e 5% dos adultos sofrem de alergia às proteínas presentes nos laticínios.
Em alguns casos, a intolerância não é detectada nem por exames específicos. "Se a pessoa passa mal ao tomar leite, mesmo que não tenha intolerância diagnosticada, pode ser que, na verdade, ela apresente algum grau do problema", acrescenta Guimarães.
O leite integral também pode causar desconforto gastrointestinal por causa do teor elevado de gorduras. Na fase adulta, o mais indicado é escolher a versão desnatada ou a semidesnatada, que mantêm os níveis de cálcio sem causar esse tipo de transtorno.

Absorção
O argumento de que a biodisponibilidade do cálcio presente no leite é menor do que em outros alimentos também é visto com reservas por alguns profissionais.
Segundo a nutricionista Sílvia Cozzolino, da USP (Universidade de São Paulo) e presidente da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição, vários trabalhos mostram que a absorção do mineral é melhor por meio do leite do que de outros alimentos.
"Sou absolutamente contra essa onda de falar que leite faz mal. Na verdade, os brasileiros ingerem pouco cálcio, e a melhor fonte é o leite. A absorção é de 30% a 40% e, se o indivíduo precisa, acaba absorvendo mais", diz.
Dietas pobres em cálcio estão relacionadas ao maior risco de desenvolver osteoporose.
Esses especialistas dizem apenas que é ruim o consumo exagerado, isto é, de mais de quatro porções por dia. Nesse caso, há maior risco de pessoas com predisposição desenvolverem cálculos renais.
Também é contraindicado consumir leite e derivados com as principais refeições do dia: o cálcio prejudica a absorção do zinco e do ferro presentes em outros alimentos. Para evitar a "concorrência" entre os nutrientes, é preferível consumi-los no café da manhã ou em lanches durante o dia.

Como consumir
Se não se sentem mal, adultos devem priorizar o consumo de laticínios. "Recebo pacientes que ouviram de especialistas que leite faz mal, mas não há nada na literatura científica que diga isso. Pessoas que toleram leite e derivados devem consumi-los todos os dias", diz a endocrinologista Marise Lazaretti Castro, chefe do setor de doenças osteometabólicas da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia-regional São Paulo.
Ela acrescenta que é difícil atingir a cota diária de cálcio (1.000 mg) sem a ingestão de laticínios. Excluindo esses alimentos, é possível ingerir cerca de 300 mg de cálcio por dia, consumindo outros alimentos em quantidades razoáveis.
Na fase adulta, é indicado consumir de três a quatro porções de leite ou derivados desnatados, como queijos brancos e iogurtes com baixo teor de gordura. Durante a amamentação, mulheres devem ingerir 1.200 mg diários. A mesma quantidade deve ser consumida na puberdade.
Além disso, é preciso se expor ao sol todo dia por no mínimo 15 minutos, para que o organismo sintetize vitamina D.
Se houver desconforto após a ingestão de leites e derivados, o médico deve ser procurado.
"Como é uma fonte proteica e de cálcio extremamente importante, a restrição do uso do leite só é feita depois de investigação médica detalhada e cuidadosa", aconselha Maria de Fátima Fernandes, diretora da Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia).
Caso tenha algum problema, o paciente deve escolher laticínios que não façam mal e, se não for possível, excluí-los da dieta. Quem não consome leite ou derivados deve complementar, geralmente, o aporte de cálcio com comprimidos.
Ainda assim, os suplementos são indicados só em último caso, quando o paciente não consegue ingerir nenhum produto lácteo, pois podem gerar efeitos colaterais como constipação, dores abdominais e gastrite.


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