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ALIMENTAÇÃO
Só para crianças?
Associado por alguns especialistas a males como dor de cabeça, artrite e constipação, leite só deve ser cortado da dieta por adultos com intolerância ou alergia
JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Alguns adoram, outros
não podem nem sentir o cheiro. Há quem
prefira a versão desnatada e quem não abra mão de
suas gorduras, sob alegação de
que o sabor é inigualável.
O fato é que o leite de vaca,
um dos alimentos mais consumidos no Ocidente, sempre
causou polêmicas entre os leigos. E, recentemente, tem alimentado discussões também
entre os especialistas.
Para alguns, o leite é responsável por inchaços abdominais,
diarreia, constipação intestinal
e problemas respiratórios e,
por isso, deveria ser excluído da
dieta dos adultos. Para reforçar
a tese, existe a ideia de que nenhum outro mamífero consome leite na fase adulta.
"No Ocidente, conseguimos
industrializar o leite e o consumimos até o fim da vida. Mas
muitas pessoas não relacionam reações do corpo, como uma constipação, a
uma intolerância leve ao alimento. O
princípio da
medicina
chinesa,
por exemplo, é observar o equilíbrio do paciente. Se há algum
desequilíbrio na parte respiratória ou gastrointestinal, a suspeita recai sobre o leite", diz a
nutricionista Kátia Camargo,
que pesquisa Medicina Tradicional Chinesa.
Segundo ela, os orientais deixam de consumir o alimento
quando crescem porque acreditam que não precisam dele na
fase adulta. "A alimentação deles supre a necessidade de cálcio porque é rica em vegetais,
soja fermentada e tofu, alimentos que contêm boas quantidades desse mineral."
A nutróloga Mariela Silveira,
membro do Comitê Diretivo do
Kurotel Centro de Longevidade e Spa, também acredita que
o leite de vaca contribua para
desencadear processos inflamatórios em organismos mais
sensíveis.
"Um alimento que é bom para um indivíduo não será necessariamente bom para outro.
O leite está muito ligado ao sistema imunológico. Pacientes
com doenças autoimunes e
problemas respiratórios apresentam melhora após deixar de
consumi-lo", afirma.
A equipe de médicos e nutricionistas do spa costuma sugerir a hóspedes com distúrbios
gastrointestinais que retirem
laticínios da dieta. Segundo Silveira, boa parte dos pacientes
sente melhora nos sintomas
após tomar essa medida.
Para engrossar o coro, uma
pesquisa com 98 crianças que
sofriam de constipação intestinal mostrou relação entre o
distúrbio e a ingestão do alimento. Ao retirar leite e derivados da dieta, 35% melhoraram.
"Quando estudamos um
pouco mais sobre a conexão do
alimento com o organismo, observamos como é a reação com
o paciente. O alimento sozinho
é uma coisa e no organismo é
outra", afirma Daniela Jobst,
membro do Centro Brasileiro
de Nutrição Funcional e do
Instituto de Medicina Funcional dos Estados Unidos, responsável pelo trabalho, que
ainda não foi publicado.
Para ela, apesar de o leite
conter altos teores de cálcio, o
organismo não absorve boa
parte desse nutriente. Jobst e
outros especialistas ouvidos
pela Folha defendem que é
possível garantir o aporte diário de cálcio por meio de outros
alimentos, como vegetais verde-escuros, peixes e castanhas.
"Pessoas hipersensíveis não
conseguem aproveitar o cálcio
do leite porque as moléculas do
mineral não são quebradas corretamente e acabam não sendo
absorvidas", diz.
A favor
Do outro lado, estão especialistas que defendem a ingestão
de leite e derivados, por serem a
principal fonte de cálcio, mineral que ajuda no fortalecimento
dos ossos.
"O leite é um alimento importantíssimo na nossa dieta. A
partir do momento em que não
precisamos do leite materno,
precisamos do de vaca, e não há
outro alimento que nos dê a
quantidade suficiente de cálcio. Se a pessoa não tiver intolerância ou alergia, não vai acontecer nada", diz a gastroenterologista Lígia Guimarães, do
Hospital Professor Edmundo
Vasconcelos.
O que ocorre, do ponto de
vista dos defensores do leite, é
uma prevalência alta de problemas relacionados ao alimento
na população. Estima-se que
até 20% tenham alguma deficiência na produção de lactase,
a enzima responsável por digerir o açúcar do leite. E cerca de
10% das crianças e 5% dos adultos sofrem de alergia às proteínas presentes nos laticínios.
Em alguns casos, a intolerância não é detectada nem por
exames específicos. "Se a pessoa passa mal ao tomar leite,
mesmo que não tenha intolerância diagnosticada, pode ser
que, na verdade, ela apresente
algum grau do problema",
acrescenta Guimarães.
O leite integral também pode
causar desconforto gastrointestinal por causa do teor elevado de gorduras. Na fase adulta, o mais indicado é escolher a
versão desnatada ou a semidesnatada, que mantêm os níveis
de cálcio sem causar esse tipo
de transtorno.
Absorção
O argumento de que a biodisponibilidade do cálcio presente
no leite é menor do que em outros alimentos também é visto
com reservas por alguns
profissionais.
Segundo a nutricionista Sílvia Cozzolino, da USP
(Universidade de São Paulo) e presidente da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição, vários trabalhos mostram
que a absorção do mineral é
melhor por meio do leite do que
de outros alimentos.
"Sou absolutamente contra
essa onda de falar que leite faz
mal. Na verdade, os brasileiros
ingerem pouco cálcio, e a melhor fonte é o leite. A absorção é
de 30% a 40% e, se o indivíduo
precisa, acaba absorvendo
mais", diz.
Dietas pobres em cálcio estão
relacionadas ao maior risco de
desenvolver osteoporose.
Esses especialistas dizem
apenas que é ruim o consumo
exagerado, isto é, de mais de
quatro porções por dia. Nesse
caso, há maior risco de pessoas
com predisposição desenvolverem cálculos renais.
Também é contraindicado
consumir leite e derivados com
as principais refeições do dia: o
cálcio prejudica a absorção do
zinco e do ferro presentes em
outros alimentos. Para evitar a
"concorrência" entre os nutrientes, é preferível consumi-los no café da manhã ou em lanches durante o dia.
Como consumir
Se não se sentem mal, adultos devem priorizar o consumo
de laticínios. "Recebo pacientes que ouviram de especialistas que leite faz mal, mas não há
nada na literatura científica
que diga isso. Pessoas que toleram leite e derivados devem
consumi-los todos os dias", diz
a endocrinologista Marise Lazaretti Castro, chefe do setor de
doenças osteometabólicas da
Unifesp (Universidade Federal
de São Paulo) e presidente da
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia-regional São Paulo.
Ela acrescenta que é difícil
atingir a cota diária de cálcio
(1.000 mg) sem a ingestão de laticínios. Excluindo esses alimentos, é possível ingerir cerca
de 300 mg de cálcio por dia,
consumindo outros alimentos
em quantidades razoáveis.
Na fase adulta, é indicado
consumir de três a quatro porções de leite ou derivados desnatados, como queijos brancos
e iogurtes com baixo teor de
gordura. Durante a amamentação, mulheres devem ingerir
1.200 mg diários. A mesma quantidade deve ser consumida na puberdade.
Além disso, é preciso se expor ao sol todo dia por no mínimo 15 minutos, para que o organismo sintetize vitamina D.
Se houver desconforto após a
ingestão de leites e derivados, o
médico deve ser procurado.
"Como é uma fonte proteica
e de cálcio extremamente importante, a restrição do uso do
leite só é feita depois de investigação médica detalhada e cuidadosa", aconselha Maria de
Fátima Fernandes, diretora da
Asbai (Associação Brasileira de
Alergia e Imunopatologia).
Caso tenha algum problema,
o paciente deve escolher laticínios que não façam mal e, se
não for possível, excluí-los da
dieta. Quem não consome leite
ou derivados deve complementar, geralmente, o aporte de cálcio com comprimidos.
Ainda assim, os suplementos
são indicados só em último caso, quando o paciente não consegue ingerir nenhum produto
lácteo, pois podem gerar efeitos
colaterais como constipação,
dores abdominais e gastrite.
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